Anarquismo

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Comunidade sobre Anarquismo.

Sem governante, soberania ou reino.
Só o Povo Salva o Povo!

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A prova dramática disso surgiu em 1965 quando a Direção Nacional da CDRS revelou que a grande maioria dos cidadãos havia se recusado a pagar aluguel ao Estado por seus apartamentos e casas nos últimos cinco anos. Aparentemente, a maioria dos cidadãos recusou-se a entender o comunismo em tais termos: afinal, se o Estado era dono de tudo e as pessoas eram o Estado, então por que alguém deveria pagar aluguel para o Estado por suas casas? Em 1965, o não pagamento do aluguel adquiriu as proporções de uma greve nacional de aluguel. 0 apelo de Fidel para que os CDRs imponham o pagamento de seus blocos caiu em ouvidos moucos". Foi somente em maio de 1967 que o governo declarou a duvidosa vitória de fazer Cuba "Un Territorio Libre de Impagos [Território Livre de Não-Pagamentos]. No entanto, a vitória havia sido alcançada deixando totalmente de lado o CDRS e enviando agentes da habitação nacional au-..

Fonte: Lillian Guerra, Visions of Power, pg. 214

Fidel era visto como reformista. Ele conseguiu criar uma imagem dele nos EUA de Robin Hood e conseguiu bastante apoio popular. E os EUA queria se livrar do Batista (quem tinha o poder em Cuba então) pq ele era demasiadamente corrupto e outros motivos que não sei. Mas um dos principais motivos é que os EUA viam que Batista deixando tanta gente vivendo na miséria era o que motivava rebeldes. Fidel, um desses rebeldes e gerrilheiro que era bom em criar imagens na imprensa, convenceu a opinião popular nos EUA que ele só queria reformas em Cuba.

Então os EUA parou de mandar ajuda militar ao Batista e deu a ele 300k dólares para ele sair do governo. Batista aceitou e foi embora. E assim Fidel Castro tomou o poder tomando o espaço vazio deixado por Batista.

Os negócios que Cuba tinha com os EUA continuaram normalmente com o governo de Castro, do qual as empresas Americanas dominavam os setores de produção e exportação de açúcar, tabaco, energia, etc. Os EUA comprava açúcar entre outras comodites de Cuba acima do preço de mercado.

Foi após que um tempo que as tensões de Cuba com os EUA começaram, e aparentemente pq Fidel Castro queria mais autonomia dos EUA, que fez Fidel Castro aliar com a União Soviética, pedindo para empresas americanas refinarem petróleo Russo no lugar do petróleo Venezuelano. Os EUA não permitiram. Houve então nacionalização das refinadoras Americanas em Cuba. EUA responderam cortando acordos econômicos que davam privilégios a Cuba o que fez Castro se aliar mais a Rússia, EUA proibiu exportação de produtos americanos a Cuba (com excessao de remédios e comida). Castro fez mais nacionalização de empresas americanas. No final Castro conseguiu ter sua economia mais livre dos EUA mas ficaram dependentes da Russa. E foi nesse processo todo que houve a decisão da criação do partido e declaração de total aliança com a União Soviética.

Quando Fidel Castro foi visitar os EUA e comversou com o Presidente Nixon, o presidente americano disse suspeitar que Fidel Castro era naivo em a achar que poderia ter uma economia independente/autônoma e suspeitou que Fidel flertava com o comunismo. Mas o secretário geral dos EUA disse que a impressão dele era que Fidel era um grande democrata.

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"O preconceito patrimonial com que padres, moralistas, legisladores e políticos têm lutado ao longo dos tempos, para imbuir as pessoas desde o berço, vive sobre aqueles que sofrem suas conseqüências assassinas. Em greves, por exemplo, muitas vezes nos deparamos com homens vigorosos que atiram ou matam chefes e capatazes; vimos, por exemplo em Montceau-les-Mines, na França (1884), dezenas de trabalhadores desarmados sendo presos por terem atirado bombas nas casas de engenheiros e administradores; e vemos, como temos visto na Bélgica, multidões de mineiros rebeldes manipulando os burgueses, incendiando as minas, e durante dias tendo apropriado grandes distritos, incluindo cidades ricas - mas nunca vimos tais grevistas confiscando bens e casas, nem provando que eles entenderam que os chefes são inúteis sanguessugas, assim como tudo o que foi criado por eles [trabalhadores] lhes pertence.

O tipo de homem trabalhador que desafia o patrão e usa uma faca para retribuir o longo martírio, que inflige a seus escravos assalariados, não é tão raro. Mas é muito, muito raro aquele que se desentende com os pertences do patrão, com a consciência calma e contente de quem sabe que está apenas exercendo seus direitos.

Impelido pela necessidade, o homem trabalhador carrega o que pode, mas o faz com vergonha, na crença de que está fazendo mal; e o que deveria ser um ato de revolta, em busca de reivindicações, continua sendo um roubo comum que degrada o caráter e a dignidade de alguém. Este negócio de propriedade é um dos maiores preconceitos e temos que dobrar todos os nossos esforços para destruí-lo.

O povo deve ter em mente que a revolução que se aproxima será a revolução dos desgraçados, dos famintos e que, sempre que possível, deve ter uma antecipação de seus benefícios. Nisso reside o sucesso da revolução, a garantia do futuro, a salvação da humanidade."

— Malatesta, parte do texto "Propaganda by Deeds" escrito na década de 1890's

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"Enquanto por um lado o parlamentarismo tem o efeito contra-revolucionário, de fortalecer o domínio dos líderes sobre as massas, por outro tem a tendência de corromper esses próprios líderes.

Quando a habilidade pessoal em gerir questoes de politicas publicas tem que compensar o que falta ao poder ativo das massas, desenvolve-se uma diplomacia mesquinha; quaisquer que sejam as intenções com que o partido tenha começado, ele tem que tentar ganhar uma base legal, uma posição de poder parlamentar; e assim, finalmente, a relação entre meios e fins é revertida, e não é mais o parlamento que serve como um meio para o comunismo, mas o comunismo que se apresenta como um slogan publicitário para a política parlamentar".

Anton Pannekoek, "World Revolution and Communist Tactics" (1920)

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Se você não é reconhecido como cidadão por um Estado, você não é reconhecido nem como humano, pertencente a nenhum lugar e a nada onde o Estado domina ou deseja dominar. O próprio conceito de nacionalidade é desumano.

E tal como no passado, colonialistas estão usando da faixada da religião para segregar pessoas e justificar seu domínio sobre territórios e povos.

"Os judeus de todo o mundo estão na linha da frente das manifestações de solidariedade porque Israel comete os seus crimes em nome do povo judeu. Nós dizemos: não em nosso nome. Não em nosso nome!"

— Suzanne Weiss, sobrevivente do Holocausto, autora, socialista e ativista anti-sionista

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Algo que não é mencionado o suficiente nas discussões sobre a ascensão de Hitler ao poder, é que antes dos nazistas já havia havido um golpe proto-fascista na Alemanha em 1920, conhecido como o Kapp Putsch. Entretanto, ele foi derrotado pela classe trabalhadora organizada.

Lembrando que o SPD foi o maior partido da classe trabalhadora em toda a Europa e várias revoluções estavam acontecendo na Alemanha. Por isso mesmo fascistas começaram a surgir e se organizar.

O golpe de Kapp Putsch foi apoiado por oficiais militares e capitalistas, e continha elementos nacionalistas e monarquistas. Seu objetivo era uma ditadura militar feita para esmagar o poder dos trabalhadores (o governo do SPD). Muitos de seus participantes se juntariam mais tarde ao partido nazista.

O golpe derrubou o governo do SPD, forçando os líderes governamentais social-democratas (SPD) a fugir. Mas em resposta, os trabalhadores de toda a Alemanha, de todos os partidos de esquerda, entraram em greve geral, unindo-se para acabar com a ditadura.

10 milhões de trabalhadores (social-democratas, social-democratas independentes e comunistas) entraram em greve, congelando a economia. Nada se moveu. Os líderes golpistas se tornaram impotentes, incapazes de fazer uma única coisa. Em 3 dias, eles foram forçados a se render.

Resgatados pela classe trabalhadora, os líderes do governo do SPD retornaram a Berlim e recuperaram os poderes do governo. No entanto, em seguida, fizeram concessões com os líderes do golpe, recusando-se a prendê-los, e até mesmo prometendo-lhes anistia.

Apesar de inicialmente ter sido um partido revolucionario/radical, o SPD deixou seu radicalismo após obter o governo. Sabotando inúmeras outras revoluções da classe trabalhadora na Alemanha, inclusive a República Socialista da Bavária.

Enquanto comunistas como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht haviam sido assassinados sob ordens do SPD por tentativa de liderar uma revolta operária em 1919, os líderes de um golpe de extrema-direita foram tratados quase como amigos, e anistiados pelo SPD.

Em alguns lugares, os trabalhadores decidiram continuar a greve e radicalizar suas reivindicações, principalmente na região industrial do Ruhr, foram elementos revolucionários que continuaram a greve, formaram milícias de trabalhadores e fizeram reivindicações socialistas.

Em resposta, o governo do SPD utilizou as unidades militares de extrema-direita, muito dos mesmos que os derrubaram em um golpe de Estado alguns dias antes, a fim de esmagar brutalmente os trabalhadores.

Mesmo que muitos dos trabalhadores mortos no processo fossem membros do SPD, a liderança do SPD estava mais disposta a ficar do lado dos reacionários que os desprezavam, do que dos trabalhadores revolucionários pertencentes ao seu próprio partido. Mais de 1.000 rebeldes foram mortos no Ruhr.

Um dos soldados que levavam a cabo a repressão escreveu um relato devastadoramente brutal.

Agora estou finalmente com minha empresa. Ontem de manhã cheguei à minha empresa e às 13h fizemos o primeiro assalto. Se eu fosse escrever tudo, você diria que são mentiras. Nenhuma misericórdia é mostrada. Nós atiramos até mesmo nos feridos. O entusiasmo é maravilhoso, quase incrível. Nosso batalhão tem mortos vermelhos 200 a 300. Qualquer um que cai em nossas mãos recebe primeiro a coronha da arma e depois a bala. Durante toda a ação, pensei na estação A. Isso se deve ao fato de que também matamos instantaneamente dez enfermeiras de traição, cada uma delas carregando uma pistola. Disparamos com alegria contra essas abominações, e como eles choraram e suplicaram! Nada feito! Quem quer que seja encontrado carregando armas é nosso inimigo e é feito". Membro da Epp Brigade.

Na sequência, o apoio dos trabalhadores ao SPD caiu drasticamente, e as divisões já existentes entre os trabalhadores se aprofundaram drasticamente. Devido a hostilidades partidárias, os trabalhadores alemães nunca mais seriam capazes de atingir este nível de ação unificada, mesmo quando mais necessário.

Fonte: @PhilosophyCuck (twitter).

Se isto lhe interessa, ele está atualmente no processo de fazer uma série de vídeos sobre a revolução alemã. Neste momento, o plano é cobrir o Kapp Putsch na parte 4.

Recomendação de leitura: Os livros mais centrais são:

  • "Failure of a Revolution" por Sebastian Haffner.
  • "Working-Class Politics in the German Revolution" by Ralf Hoffroge.
  • "The German Revolution, 1917-1923" by Pierre Broué.

Adicionalmente, "All Power to the Councils!" de Gabriel Kuhn que narra como testemunha de dos eventos. Como também "Revolutionary Berlin: A Walking Guide".

E por último, a biografia de Rosa Luxemburg por Netti.

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Israel não é de todo um país de estilo "ocidental" e nem uma democracia. O sionismo tem a ver com a criação de um etnostato religioso racista. Um estado onde os direitos de apenas um grupo são privilegiados. Israel já tem dezenas de leis que colocam o povo judeu acima de todos os outros, com direitos mais fortes e mais direitos, ao mesmo tempo que priva os palestinianos de quaisquer direitos, não os reconhece do como humanos e cidadãos.

É essa a definição de apartheid. Não é uma democracia porque os palestinianos não têm direito à cidadania nem ao voto.

Na nakba (ou "catástrofe", em Português), Israel expulsou os palestinianos e tentou torná-los refugiados apátridas, o que, ironicamente, é definido como um crime de guerra por uma razão exacta: os nazis fizeram o mesmo aos judeus na Segunda Guerra Mundial e decidimos criar regras internacionais em resposta, para dizer "nunca mais" a este tratamento. Israel é um dos piores violadores do mundo da nossa ordem baseada em regras internacionais, mas os EUA apoiam-nos sempre na ONU, pelo que se safam.

Assim, Israel, se fosse bem sucedido, seria um Estado racista do apartheid que gere uma falsa democracia em que nenhum dos palestinianos pode votar ou ter quaisquer direitos.

Deveríamos olhar para as primeiras colónias britânicas ou europeias para ver sistemas semelhantes, onde também não consideravam os povos indígenas humanos e cometiam atrocidades semelhantes às que hoje vemos Israel cometer em Gaza. O colonialismo dos tempos modernos 😞

https://www.amnesty.org/en/latest/campaigns/2022/02/israels-system-of-apartheid/

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Radical e revolucionário é acabar com privilégios de classe e de poder.

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https://sol2070.in/2023/10/pos-anarquismo-murray-bookchin Um trecho: "Para que diabos estamos tentando fazer uma revolução? Para recriar a hierarquia, posicionando um sonho obscuro de liberdade futura para a humanidade contemplar? Para promover mais avanços tecnológicos? Para criar uma abundância de bens ainda maior do que a existente hoje? Para "se vingar" da burguesia? (…) Para levar ao poder o Partido Comunista ou o Partido Socialista dos Trabalhadores? Para emancipar abstrações como "o proletariado", "o povo", "a história", "a sociedade"? Ou será que é para finalmente dissolver a hierarquia, o domínio de classe e a coerção — para possibilitar que cada indivíduo obtenha o controle de sua vida cotidiana? Será que é para tornar cada momento tão maravilhoso quanto poderia ser e o tempo de vida de cada indivíduo uma experiência totalmente gratificante? (…)" Murray Bookchin, 1969

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"Na França existem leis severas contra quem usa e quem vende cocaína. E, como sempre, o flagelo se espalha e se intensifica apesar das leis e talvez por causa das leis. Da mesma forma no resto da Europa e na América.

Declarar livre o uso e o comércio de cocaína e abrir lojas onde a cocaína seja vendida a preço de custo, ou mesmo a baixo custo. E depois fazer grande propaganda para explicar ao público os malefícios da cocaína.

Certamente, com isso o uso nocivo da cocaína não desapareceria completamente, pois persistiriam as causas sociais que causam infortúnios e os levam ao uso de drogas.

A nossa proposta não será levada em consideração, ou será tratada como maluca.

Contudo, pessoas inteligentes e desinteressadas poderiam dizer: 'Depois que as leis penais se mostraram impotentes, não seria bom, pelo menos como experiência, tentar o método anarquista?'"

Texto de 1922 por Érico Malatesta. https://periodicolaboina.wordpress.com/2016/02/21/la-cocaina-por-errico-malatesta/.

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"O preconceito patrimonial com que padres, moralistas, legisladores e políticos têm lutado ao longo dos tempos, para imbuir as pessoas desde o berço, vive sobre aqueles que sofrem suas conseqüências assassinas. Em greves, por exemplo, muitas vezes nos deparamos com homens vigorosos que atiram ou matam chefes e capatazes; vimos, por exemplo em Montceau-les-Mines, na França (1884), dezenas de trabalhadores desarmados sendo presos por terem atirado bombas nas casas de engenheiros e administradores; e vemos, como temos visto na Bélgica, multidões de mineiros rebeldes manipulando os burgueses, incendiando as minas, e durante dias tendo apropriado grandes distritos, incluindo cidades ricas - mas nunca vimos tais grevistas confiscando bens e casas, nem provando que eles entenderam que os chefes são inúteis sanguessugas, assim como tudo o que foi criado por eles [trabalhadores] lhes pertence.

O tipo de homem trabalhador que desafia o patrão e usa uma faca para retribuir o longo martírio, que inflige a seus escravos assalariados, não é tão raro. Mas é muito, muito raro aquele que se desentende com os pertences do patrão, com a consciência calma e contente de quem sabe que está apenas exercendo seus direitos.

Impelido pela necessidade, o homem trabalhador carrega o que pode, mas o faz com vergonha, na crença de que está fazendo mal; e o que deveria ser um ato de revolta, em busca de reivindicações, continua sendo um roubo comum que degrada o caráter e a dignidade de alguém. Este negócio de propriedade é um dos maiores preconceitos e temos que dobrar todos os nossos esforços para destruí-lo.

O povo deve ter em mente que a revolução que se aproxima será a revolução dos desgraçados, dos famintos e que, sempre que possível, deve ter uma antecipação de seus benefícios. Nisso reside o sucesso da revolução, a garantia do futuro, a salvação da humanidade."

— Malatesta, parte do texto "Propaganda by Deeds" escrito na década de 1890's

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##Introdução

[...] Embora nem todos partilhassem as opiniões mais radicais da esquerda, o Estado-providência sempre teve um apoio popular considerável e muitas pessoas acreditam que a despesa pública nos serviços sociais produziu alguma forma de igualdade no bem-estar. Nos casos em que o Estado-Providência foi questionado, foi principalmente por parte da direita, preocupada em cortar a despesa pública e em aumentar a capacidade dos ricos de gastarem o seu dinheiro como quiserem. Contudo, num exame mais atento, o Estado-providência oferece menos àqueles que se preocupam com questões de igualdade, empoderamento e justiça social do que poderia parecer à primeira vista. A assistência social fornecida pelo Estado pode, em vez disso, ser vista como mais uma ferramenta nas mãos dos poderosos, uma ferramenta que, embora talvez bem sucedida como meio de controlo social, contribui menos para questões de equidade e justiça do que muitas pessoas imaginam.

Origens e história

Os fundamentos do Estado de Bem-Estar Social

As bases do actual Estado de Bem-Estar Social foram lançadas há mais de trezentos anos, quando o estabelecimento e consolidação do Estado-nação no final dos séculos XV e XVI trouxeram uma legislação crescente destinada ao controlo social. O colapso das comunidades de ajuda mútua da Idade Média e o rápido crescimento populacional criaram problemas novos e mais preocupantes para os governos incipientes dos séculos XVI e XVII; à medida que o número de mendigos e vagabundos aumentava, as preocupações com a agitação social fundiam-se com um imperativo moral de erradicar a ociosidade.

À primeira vista, pode parecer pouco razoável recuar cerca de trezentos anos para iniciar uma investigação sobre o Estado-Providência, que normalmente se assume ter surgido da experiência colectiva da Segunda Guerra Mundial. Na verdade, há uma longa história de intervenção estatal na provisão de bem-estar na Grã-Bretanha, começando com a primeira Lei dos Pobres inglesa coerente de 1572. A evolução da política de bem-estar social do Estado na Grã-Bretanha desde o período Tudor levou um escritor a concluir que “não é um anacronismo total chamar (o aparelho de bem-estar social), tal como se desenvolveu em 1700, de um estado de bem-estar social”.

A antiga legislação da Lei dos Pobres autorizava as paróquias locais a angariar receitas para o alívio dos pobres, ao mesmo tempo que proibia a maioria das formas de mendicância e codificava punições, geralmente chicotadas, para a vadiagem. Além disso, as casas de trabalho começaram a ser erguidas, em maior número depois de 1610, quando a sua construção se tornou obrigatória em todos os condados para “manter, corrigir e pôr a trabalhar... de bandidos, vagabundos, mendigos robustos e outras pessoas ociosas e desordenadas” . '. É claro que a preocupação dos legisladores era com questões de moralidade e ordem pública, enquanto no final do século XVI, o Parlamento começou a ter uma visão cada vez mais branda das ações da elite, legalizando a usura, por exemplo, e aprovou uma medida cada vez maior; ma série de leis destinadas a controlar os costumes e o comportamento social das “ordens inferiores”. “Tudo isto sugere que o mecanismo da lei dos pobres não foi concebido como um regulador económico, mas como um regulador moral, social e político”.

Foi nessa época que se desenvolveu a diferenciação entre os pobres respeitáveis ​​ou trabalhadores, aqueles incapazes de encontrar trabalho sem culpa própria e os pobres ociosos ou perigosos. A preocupação com este último grupo levou muitas vezes a um certo grau de paranóia sobre a ameaça à estabilidade e à ordem por parte dos vagabundos, um medo que resultou mais do estigma social e do envolvimento dos vagabundos em pequenos crimes do que de qualquer ameaça real de não-violência ou rebelião. A divisão social foi exacerbada pelo financiamento da ajuda aos pobres através de taxas locais, que criaram categorias de 'pagadores' e 'recebedores', embora os caprichos da economia significassem que a fronteira entre os dois grupos era fluida, e muitos que se os pagadores num dia pudessem facilmente descobrir que eram recebedores no dia seguinte.

O desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social contemporâneo

As Leis dos Pobres Tudor e Stuart eram eminentemente adequadas às pequenas comunidades rurais e formaram a base para a assistência aos pobres até que o advento do industrialismo e a criação de um proletariado urbano destruíram as estruturas tradicionais da comunidade aldeã. As exigências do capitalismo por um conjunto controlável de recursos humanos encontraram voz na nova classe de industriais e empresários que foram levados ao poder pela Lei de Reforma de 1832. Para eles, “o antigo sistema de assistência paroquial local era visto como um mimador do trabalhador, protegendo-o do vento estimulante da concorrência e custando caro ao contribuinte".

A Lei de Emenda à Lei dos Pobres de 1831 inaugurou um regime mais explicitamente punitivo, centrado no infame asilo; mas a rápida expansão das cidades industriais criou problemas de saúde pública e o aumento da criminalidade que forçou a intervenção governamental com a Lei de Saúde Pública de 1848, a Lei da Polícia de 1856 e, na viragem do século, um corpo cada vez maior de legislação de bem-estar social em nas áreas da saúde, educação e emprego.

Na década de 1890, com o precedente estabelecido pelas Leis anteriores, a crescente pressão das organizações da classe trabalhadora], combinada com os receios sobre a degeneração nacional, fundiram-se em várias exigências de acção governamental. Bismarck já tinha demonstrado a possibilidade de integração do movimento da classe trabalhadora no sistema capitalista através de reformas do bem-estar. Mas para muitos, uma incerteza nacional fim de século, precipitada pela saúde terrível dos recrutas da Guerra dos Bôeres e pelo fraco desempenho económico da Grã-Bretanha face à concorrência da Alemanha e dos EUA, despertou o desejo de reformar o que era visto como um sistema social essencialmente decadente.

Este impulso para aumentar a intervenção do Estado levou os governos liberais do início do século XX a aprovar uma série de leis que abrangem muitos aspectos do bem-estar social: indemnização por acidentes de trabalho; Educação estadual e merenda escolar; pensões de velhice; limitações ou horas que as crianças poderiam trabalhar; seguro saúde e desemprego. A extensão destas reformas foi tal que, em 1911, a Grã-Bretanha tinha certamente um sistema de bem-estar estatal embrionário. As razões para a criação deste sistema são menos claras, mas tornou-se evidente que tinha menos a ver com filantropia do que foi sugerido no passado. Pelo contrário, pesquisas recentes sugeriram que:

O desejo de reter o máximo possível do sistema económico capitalista existente, numa altura em que este estava sob crescente pressão interna e externa, parece ter sido o motivo mais importante nas origens das reformas liberais.

Ao adaptarem-se à natureza mutável do capitalismo e, consequentemente, ao aumentarem o número e o grau de intervenção do Estado, os governos do final do século XIX e início do século XX iniciaram uma nova série de ataques a instituições que consideravam desordenadas e que não seguiam a linha central. Os Conselhos de Educação foram abolidos e substituídos pelas Autoridades Educacionais Locais, enquanto os conselhos de governadores locais ou centros de assistência pública que tentavam regimes mais liberais e humanos foram assumidos pelo governo central. As reformas liberais continuaram a ser as pedras angulares da provisão de bem-estar do Estado até à Segunda Guerra Mundial, durante a qual todos os aspectos da vida pública ficaram sob o controlo do governo nacional. Foi este elevado grau de controlo central, e a eleição de um governo Trabalhista no final da guerra, que precipitou a próxima fase na evolução do Estado de Bem-Estar Social na Grand Bretanha.

O Estado de bem-estar social do pós-guerra

Não é por acaso que o Estado de Bem-Estar Social tal como o conhecemos hoje surgiu sob a égide da Esquerda. Inicialmente, havia vertentes pró e anti-Estado no movimento socialista, mas foi o estatismo dos fabianos e dos social-democratas que ganhou ascendência: 'Tanto os reformadores social-democratas como os revolucionários socialistas queriam suplantar a anarquia do mercado com o racionalidade da burocracia.' O socialismo tornou-se associado à gestão social e a luta pela autogestão tornou-se periférica. Em vez disso, a crença de que o socialismo poderia ser concretizado pela gestão racional dos recursos da nação - sustentada pela estratégia de nacionalização em massa da indústria - tornou-se a ideia dominante da Esquerda na Grã-Bretanha e gerou uma crença na necessidade de uma forte controle político central.

Embora tenha permanecido uma tensão entre as diferentes alas do movimento operário até à Segunda Guerra Mundial, a maior parte da energia da ala anti-Estatista, tal como exibida nos movimentos sindicalistas e socialistas de guildas do período anterior à Primeira Guerra Mundial, foi gasta na década de 1940. O manifesto trabalhista era, em 1945, principalmente o socialismo fabiano. Isto sinalizou o triunfo do especialista – científico, económico e técnico, bem como político. Os avanços tecnológicos da guerra e as estruturas burocráticas criadas sob o governo nacional permitiram a perspectiva de um grau de controlo da sociedade que anteriormente não tinha sido sonhado. A gestão da procura keynesiana parecia oferecer um meio de controlar a economia e, para os socialistas, de manter os capitalistas afastados.

De acordo com Anthony Crosland, o Estado já não podia ser visto simplesmente como o comité executivo da classe capitalista – era agora o Estado (social) que dava as ordens. Com o boom do pós-guerra e o ressurgimento de uns Estados Unidos intervencionistas, surgiu a possibilidade de um capitalismo social que abastecesse todos - uma sociedade de consumo onde a necessidade de promover a procura levou a um sistema de bem-estar orientado para apoiar o consumo. 'O Estado de Bem-Estar Social forneceu os pré-requisitos para a regeneração do capitalismo, em que ele poderia aparecer sob uma aparência nova e benevolente: não mais o severo capataz, mas o portador de todas as coisas boas.'

O bem-estar, então, tornou-se mais abrangente, à medida que o Estado assumia cada vez mais o papel de satisfeitor de necessidades. O bem-estar social ainda era administrado de cima para baixo e o Estado-providência era uma instituição estritamente de cima para baixo, mas os elementos do controlo social tornaram-se menos claros, mesmo quando os distritos da classe trabalhadora foram demolidos para dar lugar à ideia de um “especialista” de uma situação adequada e requisitos de vida. O Estado poderia, aparentemente, prover para todos. A penalidade para isso foi a falta de liberdade da sociedade totalmente administrada; mas, como salienta Marcuse, “ o Geist e o conhecimento não são argumentos convincentes contra a satisfação das necessidades”.

À medida que o boom do pós-guerra chegou ao fim, as reivindicações extravagantes feitas ao Estado de Bem-Estar Social tornaram-se questionáveis. As crescentes exigências colocadas ao Estado social-democrata pareciam estar a desestabilizá-lo economicamente, ironicamente pelas mesmas razões (satisfação de necessidades) que inicialmente prometiam legitimá-lo.

Mas embora o Estado-Providência estivesse à beira da crise, a gestão da crise que foi instituída para resgatar a social-democracia, pelos Trabalhistas na década de 1970 e continuada sob os Conservadores, não visava abolir o Estado-Providência, mas sim reduzir a oferta de necessidades. – satisfação para certos membros mais valorizados da sociedade.

Consequentemente, o elemento de controlo social evidente em todas as formas de bem-estar social tornou-se mais evidente, à medida que as tentativas de cortar a despesa pública falharam enquanto o Estado apoiava o aumento da geração de riqueza destinada aos sectores mais ricos da sociedade (ao mesmo tempo que visava os menos favorecidos), sob o pretexto de uma série de cruzadas morais). Isto tem sido particularmente evidente na utilização de benefícios como forma de penalizar as mães solteiras e reafirmar a primazia do papel dos homens como provedores económicos. A divisão de um sistema que separa os prestadores de assistência social (sob a forma de contribuintes) dos necessitados tornou-se cada vez mais clara à medida que a riqueza se tornou mais concentrada: as classes médias tornaram-se mais enraizadas e o próprio sistema de assistência social é cada vez mais visto como economicamente insustentável .

Embora o elemento de controlo social se tenha tornado cada vez mais óbvio, o mesmo aconteceu com o fracasso do Estado-providência em corresponder aos sonhos dos seus criadores. É para esta questão – da eficácia do Estado como provedor de bem-estar – que me voltarei a seguir.

A eficácia do Estado de Bem-Estar Social

O Estado-Providência na Grã-Bretanha é frequentemente considerado a principal conquista do consenso social-democrata do pós-guerra, um afastamento da barbárie do capitalismo nu que definiu a década de 1930. Dada a reverência concedida ao Estado de bem-estar social, mesmo fazendo perguntas pertinentes - Quão eficaz é exatamente o Estado de bem-estar social?; Promoveu a igualdade?; Afectou a distribuição da riqueza? — pode ser difícil; e quando as perguntas são feitas, não é fácil encontrar respostas claras, embora tenha sido feito um trabalho significativo nesta área ao longo dos últimos vinte anos.

Uma das dificuldades em responder a estas questões é a de não comparar iguais com iguais. O mundo do pós-guerra era, em muitos aspectos, diferente do mundo pré-guerra, em aspectos que já foram mencionados. O capitalismo foi reconstituído como consumismo; as indústrias foram nacionalizadas; os governos intervieram na economia; As burocracias estatais cresceram; e criou-se uma elite técnica e profissional, com elevados rendimentos e também elevado prestígio. Houve, sem dúvida, um aumento na quantidade de riqueza na economia, mas é menos claro que a sua distribuição tenha algo a ver com o emergente Estado de Bem-Estar Social. Por exemplo, embora os 80 por cento da população mais pobre tenham aumentado a sua parcela da riqueza em duas vezes e meia entre 1924-10 e 1951-6, é difícil argumentar que isto se deveu aos efeitos redistributivos da crise.

Na verdade, depois disso, os números mudam muito pouco ao longo dos próximos vinte anos, um período em que seria de esperar que o Estado-Providência do pós-guerra começasse a desafiar seriamente a distribuição da riqueza. Le Grand sugere que na Grã-Bretanha em 1980 a parcela da renda nacional recebida pela metade mais pobre da população não havia mudado desde 1949. Em outras palavras, se o padrão de vida dos pobres aumentasse, seria porque o bolo era maior, não porque receberam uma parcela maior dele. O fosso entre ricos e pobres não diminuiu e as pessoas tendiam a permanecer nos seus lugares na hierarquia social, como diz Lois Bryson, “[era] como se as pessoas estivessem numa escada rolante que se movia lentamente”. Embora fosse razoável esperar alguns efeitos redistributivos do bem-estar fornecido pelo Estado, parece que estes não foram dos ricos para os pobres.

Embora pareça haver poucas dúvidas de uma redistribuição contínua e significativa da riqueza, da parte mais rica da população para a maioria menos rica da população, as camadas mais baixas da população têm sido relativamente inalteradas... o impulso da redistribuição da riqueza tem desde os mais ricos até os setores meramente ricos ou abastados da população.

Ainda acontecia em 1984 que os 10 por cento mais ricos da população detinham 53 por cento da riqueza comercializável, enquanto os 50 por cento mais pobres detinham apenas 6 por cento. [26]

É provável que a posição dos mais desfavorecidos na Grã-Bretanha tenha piorado nos últimos quinze anos ou mais - na verdade, são apresentadas muitas provas que demonstram o fracasso das afirmações da direita de que um efeito de “trickle down” acabará por fazer com que todos em melhor situação. Mas esta crítica ainda é formulada em termos que sugerem simplesmente um aumento dos gastos com a segurança social do Estado, sem necessariamente questionar a natureza da prestação de assistência social.

Embora seja uma tragédia que o número de famílias sem-abrigo tenha aumentado para mais de 93.000 e o número de pessoas abaixo do nível de Prestação Suplementar tenha começado a aproximar-se dos três milhões entre 1979 e 1985, a estatística mais surpreendente é que em 1979, antes do governo conservador e depois de trinta anos de Estado Social ainda existiam 56.750 famílias sem-abrigo e 2.090.000 pessoas abaixo do nível do Benefício Complementar.

Em seu livro Bem-estar e o Estado: quem se beneficia? Lois Bryson apresenta uma visão geral de algumas das pesquisas realizadas sobre a distribuição do bem-estar do Estado. Olhando para uma variedade de estudos que abrangem não só a Grã-Bretanha, mas também a Europa Continental, a Escandinávia e a Australásia, fica claro que na maioria das áreas do Bem-Estar do Estado os mais ricos beneficiam mais do que os menos favorecidos . Isto é particularmente verdade na saúde e noutros serviços, e mais acentuadamente na educação, descrita como “a prestação pública cujos benefícios estão mais sistematicamente relacionados com o rendimento”. Na saúde, relatórios de diversas fontes têm mostrado consistentemente que na Grã-Bretanha os pobres sofrem mais do que os que estão em melhor situação.

Há diferenças marcantes nas taxas de mortalidade entre as classes ocupacionais, ambos os sexos e em todas as idades. Ao nascer e no primeiro mês de vida, morrem duas vezes mais bebês de pais manuais não qualificados do que bebês de pais de classe profissional.

Em termos de cuidados de saúde, foi sugerido que o grupo socioeconómico superior (profissionais) recebe até 10 por cento mais despesas do SNS por pessoa doente do que o grupo inferior (trabalhadores manuais). Esta desigualdade continua no domínio da habitação. onde, embora a provisão pública de habitação ajude os menos favorecidos, as questões de tributação significam efectivamente que o sistema é tendencioso a favor não apenas dos proprietários-ocupantes, mas também dos proprietários-ocupantes mais ricos.

Le Grand (1982) sugere que esta disparidade no uso do serviço se deve ao seguinte:

  1. Os que estão em melhor situação têm mais tempo para utilizar os serviços;

  2. São mais capazes de tirar partido dos serviços existentes (particularmente a educação);

  3. É mais provável que consigam obter serviços que lhes sejam prestados e mantê-los mesmo em caso de cortes.

Este último ponto é particularmente significativo dados os ataques ao bem-estar fornecido pelo Estado levados a cabo pelos governos ao longo dos últimos quinze anos. Os pobres não só recebem comparativamente pouco do Estado de Bem-Estar Social, como também, em tempos de contenção, têm de lutar para manter o pouco que têm. Bryson revela que a sociologia tem um nome para este processo – o "Princípio de Mateus" , segundo o Evangelho de Mateus: *'Pois aquele que tem, ser-lhe-á dado, e terá em abundância; mas a quem não tem, até o que tem lhe será tirado”.

Bryson olha não apenas para a prestação de serviços, mas também para a assistência fiscal e ocupacional. Embora observe que os efeitos reais das diferentes medidas variam de país para país e de tempos em tempos, ela conclui que “a investigação das complexidades dos sistemas fiscais confirma em grande parte que o bem-estar fiscal, tal como o bem-estar ocupacional e a maior parte do bem-estar social, está em conformidade com o Princípio de Matthew . Essencialmente, todos os três sistemas de segurança social consolidam a actual hierarquia social” .

Parece, portanto, que as alegações de que o Estado de bem-estar social apoiou a justiça social e a redistribuição da riqueza são questionáveis. Existem poucas evidências que apoiem a opinião amplamente difundida de que a solução para os problemas de bem-estar social pode ser concebida no âmbito da intervenção estatal. Em vez disso, o Estado actua consistentemente para manter as hierarquias existentes, deixando os pobres, como sempre, na base da escala. Isto sugere que uma tentativa genuína de reorganizar o bem-estar social poderá ter de ser construída fora do Estado; e é sobre alternativas ao bem-estar fornecido pelo Estado que me voltarei a seguir.

##Bem-estar e anarquia

Contra o Estado – Direita ou Esquerda?

Até agora sugeri que a essência da prestação estatal de bem-estar é o controlo social, e que o Estado-providência não consegue cumprir o que promete em termos de promoção da igualdade e de redistribuição da riqueza. Se aceitarmos que o bem-estar social fornecido pelo Estado é uma ilusão, quais são as alternativas? Uma delas, comumente apresentada pela direita, ou pelos “defensores do livre mercado”, é que a dissolução (ou, para os anarco-capitalistas, a abolição) do Estado deveria permitir o livre funcionamento do mecanismo de mercado, onde tudo está disponível para aqueles que possuem a riqueza, sem intervenção governamental (ou mesmo sem governo). Existem inúmeras razões para pensar que este estado de coisas dificilmente proporcionaria um meio satisfatório de manutenção de qualquer forma de bem-estar, uma vez que, na verdade, simplesmente exacerbaria o sistema de mercado existente, ou seja, o racionamento por preço. Além disso, há poucas razões para pensar que a motivação desenfreada do lucro criaria um sistema social e económico ecologicamente saudável, e que os actuais níveis de degradação ambiental continuariam inabaláveis, ou mais provavelmente piorariam, com efeitos previsíveis sobre a saúde.

Outra alternativa vê a redução e a minimização dos interesses do Estado no bem-estar como acompanhadas por um aumento na participação dos utilizadores e na democracia dos trabalhadores – por outras palavras, uma recuperação do controlo do Estado, muitas vezes denominada “empoderamento”. A questão do empoderamento atraiu a atenção de muitos que estão céticos de que a solução para o problema do bem-estar social resida em investir mais dinheiro nele. As feministas em particular, mas também os Verdes e outros da esquerda que não têm medo do Estado, sugeriram que a prestação de assistência social poderia ser dramaticamente melhorada alterando radicalmente as suas prioridades, concentrando-se não nos custos e no planeamento central, mas na participação .

Participação significa envolvimento de utilizadores reais e potenciais e de outros cidadãos no desenvolvimento, organização e funcionamento real dos serviços. O corolário disto... é uma descentralização e localização de serviços. Para ser uma realidade, a participação deve ser local – ao nível do centro de saúde, da escola local, do conjunto habitacional, do gabinete da área de serviços sociais, do lar de idosos.

Na mesma linha, Brian Abel-Smith, um dos primeiros críticos do preconceito da classe média na distribuição do bem-estar, ofereceu esta sugestão sobre o caminho a seguir:

Reconstruiríamos hospitais em moldes modernos – departamentos de pacientes ambulatoriais ou centros de saúde, com algumas camas escondidas nos cantos. Fecharíamos as colónias para deficientes mentais e construiríamos novas vilas com pequenas enfermarias... Destruiríamos a maior parte das instituições para idosos e proporcionar-lhes-íamos alojamento adequado... Proporcionaríamos uma gama completa de ocupações em casa e em outros lugares para os deficientes, os idosos e os doentes.

Este é o primeiro passo no processo de libertar o bem-estar da camisa-de-forças do controlo social e colocá-lo nas mãos de quem o recebe. As estratégias de participação já existem – e existem há muitos anos – embora sofram ao tentar funcionar sob o capitalismo e, portanto, tenham muitas vezes de depender do Estado para obter recursos. No entanto, existem numerosos exemplos de cooperativas na distribuição de alimentos, na habitação, na indústria transformadora e na prestação de serviços; tem havido muitos esquemas de construção própria de moradias; cooperativas de crédito e empresas comunitárias; conselhos de bairro; grupos de ação de inquilinos; grupos de autoajuda e centros de autoajuda; práticas participativas em cuidados de saúde a nível de clínica geral e hospitalar; experiências em educação libertária; refúgios para mulheres e centros de saúde exclusivos para mulheres.

Além de todas estas experiências mais formais, existe, claro, a realidade de que a maior parte dos cuidados na sociedade é feita fora do Estado - geralmente por mulheres. Em muitos casos (se não na maioria), os cuidadores são mal pagos, e os recursos disponíveis são limitados. No entanto, muitas vezes o tipo de ambiente gerado por estes acordos de bem-estar formais e informais é benéfico por si só; não é um parente pobre de uma alternativa cara fornecida pelo Estado. Isto aplica-se em particular aos cuidados de saúde, onde os idosos, os doentes mentais e os doentes terminais são muitas vezes consideravelmente mais felizes na comunidade ou nas suas famílias do que transferidos para uma instituição e dependentes das opiniões e acções de “especialistas”. É também provável que, para além dos benefícios que advêm para a pessoa que está a ser cuidada, o colapso das instituições ajude aqueles que nelas trabalham, pois, como observa Colin Ward, “os funcionários da instituição são tanto as suas vítimas como os presos'.

Esta abordagem participativa e descentralista atrai os anarquistas, que durante os últimos cem anos ou mais têm articulado uma crítica ao poder crescente do Estado precisamente a partir dessa perspectiva. No entanto, embora esta abordagem fosse favorecida pelos anarquistas, e seja provável que representasse uma melhoria considerável em relação aos sistemas centralizados e tendenciosos que temos neste momento, há razões para ser cético quanto ao interesse contínuo do Estado que muitos comentadores, mesmo aqueles a favor da descentralização, ainda são a favor.

O caso contra o Estado

O primeiro ponto a levantar é que o Estado não é estático – a sua posição actual foi alcançada através da absorção de iniciativas locais e do fortalecimento das posições da elite. Parece haver poucas evidências de que qualquer forma de Estado possa escapar a esta dinâmica de destrutividade. Mesmo um defensor do Estado-Providência, que olha favoravelmente para a Suécia na década de 1970, é forçado a notar cortes no número de unidades de governo local no interesse da “eficiência administrativa”, uma diminuição concomitante nas oportunidades de participação directa no governo local, e o crescimento de um ““Estabelecimento”, uma nova elite que desfruta de posições elevadas, rendimentos e estatuto decorrentes da sua autoridade nos blocos de poder que representam”.

Contudo, os anarquistas criticam o Estado tanto pelo que representa como pelo que é. O Estado é alvo de ataques específicos porque é o exemplo da organização de cima para baixo, baseada em relações de poder, hierarquias e violência institucionalizada. E é a existência de relações de poder e dos sistemas de dominação que eles apoiam, que os anarquistas têm consistentemente atacado, sendo o seu objectivo final a criação de uma sociedade - uma 'anarquia' - na qual tais relações tenham sido abolidas.

Estas relações de poder não estão incorporadas apenas no Estado, mas permeiam o resto da sociedade. Ao ver o Estado não como algo único, mas sim como a manifestação suprema de um sistema de relações de poder, os anarquistas reconheceram que a única maneira de desmantelar o Estado é construir outras relações – ou , inversamente, que não pode haver sociedade “livre” com o Estado, uma vez que a sua existência justifica a existência de outras relações de poder na sociedade. Assim, para os anarquistas, as ideias de participação e descentralização, por mais relevantes ou significativas que sejam, são insuficientes em si; pelo contrário, são os elementos-chave na descrição de alternativas ao Estado.

Qualquer definição de sociedade deve incluir a capacidade de cuidar do bem-estar dos seus membros, e não apenas daqueles que têm um lugar privilegiado na hierarquia social. O bem-estar deve ser uma parte intrínseca de qualquer sociedade, portanto, e não simplesmente um extra funcional. Isto exige que a sociedade esteja organizada, antes de mais nada, para proporcionar bem-estar.

O que o anarquismo exige é a reabsorção da provisão de bem-estar na vida diária dos cidadãos da comunidade. O bem-estar torna-se assim não apenas uma função — algo fornecido por um sistema ou pelos trabalhadores de um sistema — mas parte da vida quotidiana da comunidade e dos cidadãos.

Como tal, também se torna uma forma de os indivíduos se desenvolverem. É um processo de aprendizagem, um processo de crescimento que nos permite aceitar os velhos, os jovens, os doentes, os moribundos na sociedade, e não lançá-los em instituições fora da vista dos relativamente saudáveis ​​e jovens. É também um processo de aprendizagem na medida em que desenvolvemos conhecimento sobre as nossas próprias necessidades de bem-estar e formas de as satisfazer, em vez de termos de nos submeter a especialistas e instituições. A acção directa no bem-estar social é o elemento central de qualquer futura sociedade libertadora e ecológica, e o princípio central de qualquer movimento que pretenda criar tal sociedade:

[Ação Direta] é o meio pelo qual; cada indivíduo desperta para os poderes ocultos dentro de si e de si mesmo, para um novo sentido de autoconfiança e autocompetência; é o meio pelo qual os indivíduos assumem directamente o controlo da sociedade.... A acção directa, em suma, não é uma “tática” que possa ser adoptada ou descartada em termos da sua “eficácia” ou “popularidade”; é um princípio moral, um ideal, na verdade, uma sensibilidade. Deve impregnar todos os aspectos de nossas vidas, comportamento e perspectivas.

É esta perspectiva que o Estatismo mina, ao criar as condições psicológicas e materiais para o domínio de alguns e a subserviência de outros, e é por isso que a existência do Estado é incompatível com uma sociedade de bem-estar.

https://theanarchistlibrary.org/library/steve-millett-neither-state-nor-market#fn3

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Palavras de Joshua Stephens.

“Sinceramente, ainda estou tentando abandonar o hábito nacionalista”, brinca o ativista Ahmad Nimer, enquanto conversamos do lado de fora de um café em Ramallah. Nosso tema de conversa parece improvável: viver como anarquista na Palestina. “Num país colonizado, é muito difícil convencer as pessoas de soluções não autoritárias e não estatais. Deparamo-nos, praticamente, com uma mentalidade estritamente anticolonial – muitas vezes estreitamente nacionalista”, lamenta Nimer. Na verdade, os anarquistas na Palestina têm actualmente um problema de visibilidade. Apesar da actividade anarquista israelita e internacional de grande visibilidade, não parece haver uma consciência correspondente do anarquismo entre muitos dos próprios palestinianos.

A discussão contemporânea de temas anarquistas muda a ênfase para uma abordagem mais do poder: rejeitar o poder sobre, em favor do poder com. “Quando se fala de anarquia como um conceito político, isso é definido como a rejeição do Estado”, explica Saed Abu-Hijleh, professor de geografia humana na Universidade An-Najah, em Nablus. “Fala sobre liberdade e a sociedade se organizando sem a interferência do Estado.” Mas, como é que um povo sem Estado se envolve com o anarquismo, um termo que implica oposição a alguma forma de Estado como condição da sua existência?

Na Palestina, historicamente, elementos da luta popular têm sido frequentemente auto-organizados. Mesmo que não seja explicitamente identificado como “anarquismo” como tal, “as pessoas já fizeram organização horizontal, ou não hierárquica, durante toda a sua vida”, diz Beesan Ramadan, outro anarquista local, que descreve o anarquismo como uma “tática”, mas questiona a necessidade para anexar uma etiqueta. Ela continua: “Isso já está presente na minha cultura e na forma como o ativismo palestino tem funcionado. Durante a Primeira Intifada, por exemplo, quando a casa de alguém era demolida, as pessoas organizavam-se para reconstruí-la, quase espontaneamente. Como anarquista palestino, espero voltar às raízes da Primeira Intifada. Não veio de uma decisão política. Veio contra a vontade da OLP.” Yasser Arafat declarou independência em Novembro de 1988, depois do início da Primeira Intifada em Dezembro de 1987, Ramadan diz “...para sequestrar os esforços da Primeira Intifada”.

O caso palestino complicou-se ainda mais nas últimas décadas. O cenário de auto-organização largamente horizontal na Primeira Intifada foi deslocado em 1993 com a assinatura dos Acordos de Oslo e da Autoridade Palestiniana (AP) de cima para baixo que eles criaram. “Agora, aqui na Palestina”, observa Ramadan, “não temos o significado de autoridade que outras pessoas desafiam...Temos a AP e a ocupação, e as nossas prioridades estão sempre confusas. A AP e os israelitas [estão] no mesmo nível porque a AP é uma ferramenta para os israelitas oprimirem os palestinianos.” Nimer também partilha esta opinião, argumentando que esta se espalhou agora de forma muito mais ampla e que muitos vêem agora a AP como uma “ocupação por procuração”.

“Ser anarquista não significa ter a bandeira preta e vermelha ou entrar no black bloc”, ressalta Ramadan, referindo-se à tática de protesto anarquista estabelecida de usar roupas totalmente pretas e cobrir o rosto. “Não quero imitar nenhum grupo ocidental na forma como eles 'fazem' o anarquismo... não vai funcionar aqui, porque é preciso criar toda uma consciência do povo. As pessoas não entendem esse conceito.” No entanto, Ramadan acredita que a baixa visibilidade dos anarquistas palestinos, e a falta de consciência sobre o anarquismo entre os palestinos de forma mais ampla, não significa necessariamente que existam poucos. “Acho que há um bom número de anarquistas na Palestina”, observa ela, embora mais tarde admita, “...principalmente, por enquanto, é uma crença individual [embora] todos nós sejamos ativos à nossa própria maneira”.

Esta falta de um movimento anarquista unificado na Palestina pode resultar do facto de os anarquistas ocidentais nunca terem realmente se concentrado no colonialismo. “[Os escritores ocidentais] não precisavam de o fazer”, argumenta Budour Hassan, activista e estudante de Direito. “A luta deles era diferente.” Nimer também acrescenta: “Para um anarquista nos EUA, a descolonização pode ser parte da luta antiautoritária; para mim, é simplesmente o que precisa acontecer.”

É importante ressaltar que Hassan estende a sua própria compreensão do anarquismo para além de posições meramente contra o autoritarismo estatal ou colonial. Ela se refere ao romancista palestino e nacionalista árabe Ghassan Kanafani, observando que embora ele tenha desafiado a ocupação, “...ele também desafiou as relações patriarcais e as classes burguesas... É por isso que penso que nós, árabes – anarquistas da Palestina, do Egito, da Síria, do Bahrein – precisamos começar a reformular o anarquismo de uma forma que reflita as nossas experiências de colonialismo, as nossas experiências como mulheres numa sociedade patriarcal, e assim por diante.”

“Fazer parte da oposição política não irá salvá-la”, alerta Ramadan, que acrescenta que, para muitas mulheres, “quando você se opõe à ocupação, também tem que se opor à família”. Na verdade, a representação demasiado enfatizada das mulheres nos protestos, afirma ela, mascara o facto de que, na realidade, muitas mulheres têm de lutar apenas para estarem presentes. Até mesmo a participação em reuniões nocturnas exige que as jovens ultrapassem fronteiras sociais que os seus homólogos masculinos não enfrentam.

“Como palestinianos, precisamos de estabelecer uma ligação com os anarquistas árabes”, diz Ramadan, influenciada pela sua leitura de material de anarquistas no Egipto e na Síria. “Temos muito em comum e, por causa do isolamento, acabamos por conhecer anarquistas internacionais que por vezes, por melhor que seja a sua política, permanecem presos aos seus equívocos e à islamofobia.”

Num pequeno artigo publicado no Jadaliyya intitulado “ Iluminismos Anarquistas, Liberais e Autoritários: Notas da Primavera Árabe”, Mohammed Bamyeh argumentou que as recentes revoltas árabes reflectiam “...uma rara combinação de um método anarquista e uma intenção liberal”, observando que “...o estilo revolucionário é anarquista, no sentido de que requer pouca organização, liderança ou mesmo coordenação [e] tende a suspeitar de partidos e hierarquias mesmo após o sucesso revolucionário.”

Para o Ramadão, o nacionalismo também representa um problema significativo. “As pessoas precisam do nacionalismo em tempos de luta”, ela admite, “[mas] às vezes isso se torna um obstáculo...

Você sabe o que significa o sentido negativo do nacionalismo? Significa que só pensamos como palestinos, que os palestinos são os únicos que sofrem no mundo.” Nimer também acrescenta: “Estamos a falar de 60 anos de ocupação e limpeza étnica, e de 60 anos de resistência a isso através do nacionalismo. É muito longo, não é saudável. As pessoas podem passar de nacionalistas a fascistas muito rapidamente.”

As multidões de Dezembro na praça Tahrir, no Cairo, ainda podem oferecer esperança aos anarquistas palestinos. À medida que o Presidente Mohamed Morsi consolidava os poderes executivo, legislativo e judicial sob o seu gabinete, grupos anarquistas juntaram-se às manifestações. Na verdade, esses egípcios se autodenominam “anarquistas” e acreditam no “anarquismo”. De volta a Ramallah, Nimer reflecte: “Sou muitas vezes pessimista, mas não se pode desconsiderar os palestinianos. Poderíamos sair a qualquer momento. A Primeira Intifada começou com um acidente de carro.”

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9/10/2013

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A administração liderada pelos curdos do que é oficialmente conhecido como Administração Autónoma do Norte e Leste da Síria (AANES) tem vindo a improvisar discretamente uma nova sociedade baseada nos princípios da democracia direta, da autonomia das mulheres, dos direitos das minorias e da ecologia social.

O projeto de Rojava é por vezes descrito como um "oásis" - uma bolsa isolada de democracia, justiça e esperança, que floresce inesperada e milagrosamente numa região devastada pelo despotismo, pela guerra e pelo islamismo niilista. Mas esta imagem idealizada de uma "rosa no deserto" é demasiado simplista. Onze anos após a criação da zona autónoma liderada pelos curdos, as fortes pressões externas e as contradições internas produziram soluções inesperadas e compromissos dinâmicos. Este processo político pouco compreendido é um exemplo vibrante do que acontece quando as políticas utópicas são transferidas para ambientes duros do mundo real, oferecendo lições práticas para a transformação de sociedades repressivas em todo o mundo.

Nas palavras de Emina Omar, copresidente do principal órgão diplomático da região, o "exemplo real de democracia no terreno" de Rojava pode servir de modelo não só para resolver a crise síria, mas talvez até para desbloquear um futuro mais democrático no Médio Oriente.

"Este projeto foi implementado através da vontade do nosso povo", diz Omar, falando a partir do seu gabinete no norte da Síria. "Apesar de todas as ameaças e da ocupação turca, avançámos, ano após ano, durante uma década. Estamos agora a rever o nosso 'Contrato Social' [Constituição] e a reorganizar a vida política, social e económica da nossa região como um exemplo para toda a Síria e para a região."

A revolução de Rojava de 2012 foi uma resposta a séculos de repressão. Apesar das repetidas revoltas, o povo curdo nunca conquistou uma autonomia genuína em qualquer lugar da sua terra natal, um território agora dividido entre a moderna Turquia, a Síria, o Iraque e o Irã. O mapa da região pós-Primeira Guerra Mundial - elaborado sob forte influência britânica na Conferência de Lausanne de 1923 - foi concebido para aplacar uma República Turca recém-formada que desejava ver os Curdos deixados sem pátria e reduzidos a cidadãos turcos de segunda classe. Outra preocupação primordial era o petróleo: a partir de 1927, os consórcios ocidentais começaram a perfurar regiões curdas dentro das novas fronteiras do Iraque e da Síria.

Durante o resto do século, cerca de 40 milhões de curdos experimentaram o empobrecimento, o isolamento, os pogroms e a negação da plena cidadania nos quatro estados ocupantes, suscitando pouco interesse do mundo exterior. O acontecimento mais infame neste século de opressão foi o assassinato, por Saddam Hussein, de cerca de 100 mil curdos iraquianos em 1991, inclusive com gás venenoso.

Mas os Curdos nunca desistiram da sua busca pela autodeterminação. Um desenvolvimento importante ocorreu na Turquia durante a década de 1980, quando o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, liderado pelo líder curdo Abdullah Öcalan, formou um braço armado para lutar por um Estado curdo. Com uma ideologia que fundia o nacionalismo curdo e o marxismo-leninismo, o PKK rapidamente se desenvolveu numa formidável força de guerrilha. Mas a repressão estatal turca, juntamente com o colapso da União Soviética, levou a um enfraquecimento do poder do movimento ao longo dos anos 90, culminando na captura de Öcalan em 1999 pelos serviços de inteligência turcos.

Nessa altura, a ideologia do movimento de libertação curdo passou a reflectir a mudança de Öcalan do marxismo tradicional para crenças heterodoxas influenciadas pelo feminismo, pelo pensamento pós-colonial e pelo teórico político americano Murray Bookchin. Numa série de livros engenhosamente comunicados ao mundo exterior a partir da sua cela, Öcalan expôs uma nova visão informada pelas lutas do PKK e uma análise do colapso da URSS. Para que o povo curdo fosse livre, escreveu ele, todas as hierarquias sociais tinham de ser desfeitas, especialmente o Estado-nação. Mais fundamentalmente, a autonomia das mulheres era um pré-requisito para a libertação nacional.

A nova visão política de Öcalan, que ele chamou de “confederalismo democrático”, baseava-se nos pilares ideológicos da democracia direta, da autonomia das mulheres, dos direitos das minorias, da economia cooperativa e de uma relação reimaginada entre os seres humanos e o ambiente que Bookchin chamou de “ecologia social”. Até hoje, estes princípios inspiram o programa político liderado pelos curdos em Rojava.

Antes da Guerra Civil Síria, poucos previram que a invasão do Iraque pelos EUA criaria as condições para que Rojava – a mais pequena, mais pobre e menos dinâmica politicamente das quatro regiões curdas – se tornasse o local de um projecto revolucionário inspirado em Öcalan. Menos ainda teriam previsto que o movimento revolucionário socialista curdo entraria numa “frente popular” com a principal potência capitalista global do mundo – os Estados Unidos – para derrotar uma força islâmica radical expansionista chamada ISIS. Mas foi exatamente isso que aconteceu.

Bashar Assad proporcionou a abertura para as ambições curdas quando retirou as suas tropas do norte curdo do país em 2012. A medida criou uma barreira curda entre o território controlado pelo regime, de um lado, e o ISIS e a Turquia, do outro. Para os curdos, foi uma faca de dois gumes, expondo-os a ataques jihadistas e turcos, mas também criando espaço para o movimento curdo sírio assumir o controlo após décadas de organização clandestina. É uma decisão que Assad tem desde então motivos para se arrepender.

O movimento curdo pela liberdade tinha raízes profundas em Rojava, em parte porque Öcalan passou os anos 80 e 90 exilado na Síria. Os moradores locais ainda se lembram da organização clandestina da época – as mensagens entre guerrilheiros escondidas nos berços dos bebês, ou passadas aos maridos encarcerados pelas bocas das esposas da prisão; sapatos deixados do lado de fora das casas vizinhas enquanto as organizadoras passavam descalças pelas cercas dos quintais para evitar a polícia secreta de Assad. Acima de tudo, foi o sangue derramado por gerações de militantes curdos na Turquia e na Síria que consolidou o seu estatuto nos bairros e aldeias curdas da classe trabalhadora em Rojava.

As instituições construídas através desta organização permitiram que os curdos sírios se mantivessem firmes durante a recente guerra e virassem a maré contra o ISIS. Os seus esforços granjearam-lhes admiração global e entendimentos temporários com Washington e Moscovo, incluindo o apoio aéreo dos EUA que se revelou crucial para expulsar o ISIS dos seus redutos em cidades árabes como Raqqa. Mas estas alianças transacionais revelaram-se passageiras.

A Turquia sempre se opôs existencialmente à autonomia democrática liderada pelos curdos em qualquer lugar e, em 2016, a Turquia lançou os seus próprios bombardeamentos anti-curdos e operações terrestres no norte da Síria. Em 2018, a Rússia deu luz verde à Turquia para uma invasão da província ocidental de Rojava, Afrin. Um ano depois, Washington retirou abruptamente as tropas norte-americanas da região fronteiriça a leste, de outra forma indefensável, abrindo a porta ao Presidente Recep Tayyip Erdoğan para intensificar os seus ataques à revolução de Rojava. Até a Fox News criticou a traição.

Durante ambas as invasões, a Turquia libertou milícias árabes e turcomanas – muitas delas compostas por antigos membros do ISIS – que saquearam, pilharam, torturaram, mutilaram, violaram e assassinaram aldeias curdas, yazidis e cristãs em Rojava. Centenas de pessoas foram mortas e centenas de milhares deslocadas no espaço de semanas. Muitos esperavam que a invasão turca de Rojava soasse o sinal de morte para a incipiente experiência progressista liderada pelos curdos.

Contra todas as probabilidades, no entanto, o projecto liderado pelos curdos resistiu. Embora algum território tenha sido perdido, a presença persistente e interessada de tropas dos EUA e da Rússia no norte da Síria impede a Turquia de tomar toda a região e instalar as milícias jihadistas, sancionadas pelos EUA e apoiadas pela Turquia, que actualmente dominam as zonas ocupadas. Numa ilustração sombria do destino que paira sobre os curdos de Rojava, a população curda nas regiões ocupadas pela Turquia já foi reduzida em cerca de dois terços. Dezenas de milhares de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas “para o deserto”, como Erdoğan prometeu uma vez.

Por mais difícil que seja o projecto, milhões de curdos e árabes ainda vêem Rojava como um santuário. Depois de unir diversas populações que recentemente estiveram em guerra entre si, continua a oferecer os mais elevados padrões de Estado de direito, segurança e prestação humanitária da Síria.

“Todos estão sofrendo, mas ainda é melhor aqui do que em qualquer outro lugar da Síria”, diz o jornalista curdo sírio Ali Ali. “As mulheres não são raptadas, as crianças não são apreendidas e os salários são melhores. Este amplo projecto democrático dá esperança às pessoas – a [minoria] cristã dá esperança aos árabes, os árabes aos curdos, os curdos aos árabes. Todos nós compartilhamos juntos neste projeto.”

No papel, a AANES – que governa uma população maioritariamente árabe – opõe-se oficialmente a todas as formas de nacionalismo étnico. Na prática, porém, o espírito do nacionalismo curdo anima as suas instituições, o que é possível graças à revolução de Rojava. O programa político da AANES de secularismo, democracia e autonomia das mulheres é comumente entendido como fundamentalmente “curdo”, e a história da luta nacionalista continua a ser vital na preparação de milhares de jovens curdos para se sacrificarem em defesa destes princípios não sectários.

A unidade árabe-curda foi forjada em batalhas conjuntas contra o ISIS que libertaram cidades árabes e curdas. Como resultado, o compromisso da AANES com o que chama de “irmandade dos povos” não é apenas retórico. O “contrato social” da região garante a representação proporcional para todos os grupos étnicos, resultando na administração de cidades de maioria árabe pelos árabes. Durante os recentes ataques turcos, importantes escritórios do Estado foram transferidos das regiões de maioria curda, na fronteira com a Turquia, para a cidade árabe de Raqqa, a antiga capital do ISIS, que é agora a maior cidade de Rojava e um importante centro comercial.

Ainda assim, as tensões interétnicas perduram. Os curdos continuam a suspeitar das regiões árabes conservadoras onde os insurgentes do ISIS continuam a atacar figuras militares, professores, mulheres organizadoras comunitárias e qualquer pessoa que trabalhe para a AANES. Estas regiões, entretanto, têm as suas próprias queixas sobre a AANES dominada pelos Curdos, em questões que vão da economia à cultura.

“A AANES trouxe estabilidade e a situação de segurança está a melhorar gradualmente, mas as pessoas sofrem economicamente”, afirma Abdul Karim Najm al-Salman, representante da poderosa tribo árabe al-Baggara. “Ano após ano, a pobreza aumenta. A educação não é como deveria ser devido a disputas sobre o currículo.”

Estas disputas talvez não sejam surpreendentes, dado que o sistema educativo da AANES promove os direitos das mulheres, os valores seculares e um relato da história geralmente influenciado por Öcalan. Durante os protestos tribais árabes, podem ser ouvidas queixas legítimas sobre políticas educativas, juntamente com exigências de libertação dos militantes do ISIS capturados. Em Agosto, o braço militar da AANES prendeu um comandante regional árabe, Abu Khawla, um homem forte tribal árabe acusado de corrupção e excessos violentos. Khawla foi uma escolha pragmática mas impopular para chefiar o Conselho Militar em Deir ez-Zor, uma conturbada região desértica no extremo sul do território AANES e a última a ser libertada do ISIS. Embora os habitantes locais exigissem há muito a sua prisão, o seu depoimento desencadeou uma revolta violenta dos seus próprios aliados tribais e renovou os apelos a uma maior delegação aos poderes tribais locais da região.

A crise subsequente, que deixou dezenas de mortos, ilustra a corda bamba que a AANES deve percorrer na negociação de exigências concorrentes. Entregar o poder a líderes tribais patriarcais potencialmente violentos, corruptos, ou arriscar a sua ira ignorando as suas exigências legítimas de maior representação? Centralizar o controlo curdo militarizado nestas regiões, ou retirar-se e arriscar o regresso do ISIS ou do regime sírio universalmente desprezado?

Não existem respostas fáceis, dizem as autoridades, apenas o trabalho árduo da política e do compromisso.

“Enfrentamos grandes lutas políticas, mas a maioria da população não quer regressar à Síria tal como existia antes da revolução”, diz Shadi al-Ibrahim, um funcionário árabe que trabalha para adaptar a legislação da AANES na sua cidade natal. “É por isso que defendemos o diálogo. Queremos falar com todas as pessoas interessadas na construção de uma Síria democrática.”

Ainstituição concebida para resolver estas tensões é uma rede nacional de reuniões a nível de aldeias e bairros, conhecidas como “comunas”. Este sistema baseia-se na visão de Öcalan de uma sociedade em que os vizinhos tomam decisões a nível popular que também ajudam a moldar a política nacional. As comunas ficam mais cheias de fervor revolucionário quando a Turquia ameaça guerra: os jovens acorrem às reuniões para planear túneis e as mães organizam-se para cozinhar grandes panelas de feijão para as linhas da frente. Até as avós se reúnem para formar patrulhas armadas.

Na maioria das vezes, porém, este sistema político inovador e participativo não inspira muito entusiasmo. A nível local, as comunas ajudam as comunidades a mobilizar-se para que uma estrada seja repavimentada ou a supervisionar a distribuição equitativa de recursos num campo de refugiados. Mas os cidadãos têm pouca noção de que os contributos a nível comunitário influenciam as políticas centralmente planeadas da AANES relacionadas com a segurança ou a economia. Muitos curdos e árabes passaram a ver a sua comuna local como pouco mais do que um lugar para ter acesso a pão e gasóleo subsidiados pela AANES.

Mais do que qualquer compromisso ideológico com o sistema comunal, é a contínua agitação nas regiões árabes que leva a AANES a manter os seus ideais democráticos fundadores. Isto pôde ser visto numa consulta pública em Raqqa, convocada em resposta à agitação tribal de 2020. Lá testemunhei o espírito democrático da AANES em pleno fluxo, enquanto os árabes acusavam os líderes curdos da AANES de tokenismo e se envolviam num debate animado sobre uma série de tópicos, desde as negociações pragmáticas da AANES com o regime de Assad, até à melhoria dos passes de viagem para pessoas deslocadas internamente. Ao longo das discussões acaloradas, os moderadores instaram os participantes a falar sem medir palavras - mesmo e especialmente quando as suas críticas se opunham à agenda progressista da AANES.

Ao negociar entre as exigências dos actores tribais, muitas vezes conservadores, e os seus ideais progressistas, a AANES é forçada a um diálogo democrático com a sociedade civil. Em nenhum lugar estas tensões são mais aparentes do que na visão de Rojava para a autonomia das mulheres.

Em todo o sistema AANES, a escala da chamada “revolução feminina” é facilmente aparente. O sistema de co-presidência garante a participação feminina em todos os níveis, tanto na esfera militar como na civil. Isto permitiu que milhares de jovens escapassem do confinamento de lares patriarcais e trabalhassem como soldados, professoras, administradoras de campos de refugiados ou juízas (incluindo as responsáveis ​​pelo julgamento de militantes do ISIS).

No entanto, o trabalho doméstico e agrícola tradicional continua a ser uma realidade diária para a maioria, e o movimento das mulheres de Rojava ainda está em processo de transição de um movimento de guerrilha para um movimento social capaz de revolucionar a vida das donas de casa comuns. Um grande esforço neste sentido é o estabelecimento de uma rede de “casas de mulheres” onde as mulheres locais resolvem disputas domésticas e outras questões através do diálogo e da mediação. Embora não sem resistência – na cidade árabe de Deir ez-Zor, as casas das mulheres sobreviveram aos bombardeamentos e aos tiroteios – as casas têm sido bem-sucedidas, em grande parte porque se baseiam na confiança preexistente nas mulheres idosas da comunidade. As mulheres também desempenham um papel proeminente nos “comités de reconciliação” encarregados de resolver rixas de sangue intergeracionais e outras disputas através da mediação comunitária supervisionada por anciãos de confiança.

“No passado, as pessoas chamavam a Casa da Mulher de 'Casa do Divórcio' ou 'Casa da Destruição'”, disse-me Bahiya Murad, co-presidente fundadora da rede de casas da mulher, em um escritório cheio de jovens mães e bebês. . “Mas agora as pessoas compreenderam que estamos nos esforçando para reconciliar a sociedade tanto para homens quanto para mulheres.”

O objectivo, diz ela, não é destruir a sociedade pelas raízes, mas preservar e desenvolver o papel popular, muitas vezes não reconhecido, que as mulheres desempenharam como mães, mediadoras e pilares comunitários na sociedade curda e do Médio Oriente. O apelo mais amplo desta visão foi realçado na adopção do slogan do movimento de mulheres curdas “Mulheres, Vida, Liberdade” por manifestantes em todo o Irão, depois de Mahsa Jina Amini, uma curda iraniana, ter sido espancada até à morte pela polícia moral por alegadas infracções ao hijab em 2022.

No domínio da economia, as realidades do norte da Síria forçaram algum afastamento da visão original de Öcalan de cooperativas comunitárias de pequena escala.

Segundo o economista curdo sírio Cheleng Omar, cerca de 75% da receita anual da AANES provém das receitas do petróleo vendidas no mercado negro. Isto acontece por necessidade, uma vez que Washington recusou repetidamente à AANES uma isenção para comercializar o seu petróleo no estrangeiro, e forçou-a a acordos de redução de preços com uma série de parceiros duvidosos – incluindo o regime de Assad. A produção de trigo e a indústria leve constituem o restante da escassa renda da região. O resultado é um orçamento de estado per capita aproximadamente igual ao do Sudão do Sul.

Antes da revolução, o regime de Assad possuía cerca de 80% das terras agrícolas em Rojava. Estes campos foram expropriados e hoje são administrados pela AANES, sendo alguns entregues a cooperativas agrícolas. Os pequenos e médios agricultores estão sujeitos a impostos modestos; não há grandes proprietários privados. A produção nacional de trigo evita que a região morra de fome, mas os esforços em curso para plantar uma gama mais ampla de culturas e alcançar a autonomia alimentar ainda não conseguiram superar a dependência de produtos básicos importados.

Um movimentado mercado negro aumenta os preços, mas a AANES tem pouca escolha. O seu grave isolamento económico dita a dependência de linhas de abastecimento ilícitas para fornecer alimentos, materiais de construção e medicamentos. A única passagem semi-oficial da fronteira externa é regularmente fechada por autoridades hostis no vizinho Curdistão iraquiano; componentes técnicos e industriais quase nunca são permitidos na região. Como me disse um comerciante da capital de facto da região, Qamishlo, um par de chinelos de má qualidade poderia viajar da Turquia para o Iraque, para Aleppo, controlada pelo regime sírio, antes de finalmente chegar a Rojava com uma marcação em cada cruzamento.

Cheleng Omar, o economista, apresenta uma lista de outras questões que dificultam o desenvolvimento económico regional: danos causados ​​pela guerra às infra-estruturas petrolíferas e aos sistemas de irrigação; Dreno cerebral; Sanções económicas em toda a Síria que impedem quase todo o investimento estrangeiro nas regiões AANES; e inflação galopante (a libra síria perdeu o seu valor centenas de vezes na década desde o início da revolução). Entretanto, os bombardeamentos e ataques aéreos turcos continuam a afastar investidores de regiões férteis, como a cidade natal de Omar, Afrin. Após a invasão e ocupação da Turquia em 2018, o economista fugiu quando as cooperativas agrícolas de Afrin foram saqueadas por milicianos apoiados pela Turquia que derrubaram antigos olivais para obter lenha.

Estas circunstâncias obrigaram a AANES a centralizar a economia como medida de sobrevivência. Os lucros são devolvidos ao povo, principalmente através dos 40% do orçamento anual da AANES utilizados para subsidiar o pão e o gasóleo para transportes e aquecimento de casas. O que resta vai para a defesa nacional, os salários dos cerca de 250 mil funcionários civis e militares da AANES, a educação financiada pelo Estado, alguns cuidados médicos e os esforços de reconstrução pós-guerra.

Estes subsídios – impulsionados pelas medidas anticorrupção da AANES, pelos controlos de preços de produtos essenciais e pela aplicação de multas por aumento de preços – servem como uma tábua de salvação para milhões de pessoas, mas têm um impacto limitado no terreno. Os mercados estão frequentemente vazios. Somente as famílias que recebem dinheiro de parentes no exterior conseguem sobreviver. Em algumas comunidades, as cooperativas proporcionam empregos muito necessários, especialmente no sector agrícola. Mas estes projectos valorosos não são suficientes para manter a economia à tona.

“As pessoas só pensam em como passar o dia”, diz Ali, o jornalista. “Todos em todas as famílias têm que trabalhar para sobreviver. Mas ainda não é suficiente.”

O economista Omar identifica outros desafios. “A AANES não conseguiu alcançar a autossuficiência económica ou estabelecer uma mentalidade cooperativa. A nossa sociedade precisa de ser educada, para que as pessoas não visem apenas obter lucros [e] monopólios. A sociedade civil deve avançar com os seus próprios projectos cooperativos.”

À medida que as propostas para fábricas de ferro e betão financiadas pelo Estado não são concretizadas devido à falta de dinheiro, as mulheres locais colhem trigo, os homens ingressam nas forças armadas e os jovens de ambos os sexos olham com saudade as publicações no Facebook de primos que servem mesas ou estudam medicina na Alemanha.

Dadas estas duras realidades, talvez não seja surpreendente que a aspiração de Rojavan de reimaginar a relação de exploração da humanidade com a natureza tenha sido frustrada pelas circunstâncias. Os moradores locais que lutam para extrair água salobra em um calor de 120 graus certamente se beneficiariam da “ecologia social” proposta por Öcalan, mas a crise mais premente é a apreensão universalmente condenada pela Turquia, em 2019, de uma importante estação de água e o represamento do Eufrates, que deixou milhões de pessoas. sem água potável e trouxe a cólera de volta à região. Os ataques aéreos deste mês, que atingiram uma barragem, infra-estruturas de abastecimento de água, hospitais, a única instalação de gás de cozinha da região, bem como dezenas de centrais eléctricas, levantaram o espectro de um Inverno rigoroso que se avizinha.

Os Comités Ecológicos de Rojava podem reconhecer as questões profundas que estão no cerne da crise planetária, mas têm de se concentrar na recolha de lixo e na prossecução da mediação internacional sobre a guerra ilegal da Turquia pela água. As aldeias que dependem da rede eléctrica suja e frágil de Rojava necessitam urgentemente de soluções de energia verde, mas não tanto como necessitam das receitas do petróleo da região para evitar que morram de fome.

Rojava tem planos ambiciosos para alcançar o reconhecimento internacional como uma região descentralizada da Síria, ao mesmo tempo que espalha o “confederalismo democrático” pelas quatro regiões divididas do Curdistão e por todo o Médio Oriente. Por enquanto, porém, o foco está na sobrevivência.

“Milhares de jovens estão a abandonar o país, apesar de poderem ser mortos ao atravessarem a fronteira [síria-turca]”, afirma Ali, o jornalista.

Mesmo assim, o próprio Ali permanece em Rojava. Ao lado de outros milhões, ele personifica o espírito de perseverança obstinada e precária da região.

Caminhando por Qamishlo, uma cidade ainda dividida em sectores sírio e AANES, como a Berlim ou Jerusalém dos tempos modernos, somos confrontados com as soluções diplomáticas, económicas e políticas de Rojava, fraudadas pelo júri, a cada passo. Os guardas do regime e os voluntários internacionalistas evitam cuidadosamente o olhar um do outro. As patrulhas russas e norte-americanas enfrentam-se nas estradas rurais, enquanto os combatentes curdos tentam mediar. Filas para comprar pão subsidiado passam por barracas cheias de açúcar do mercado negro. Enquanto os drones turcos que mataram centenas de pessoas nos últimos anos zumbem constantemente no alto, a vida continua da melhor maneira possível.

Desde a difícil acomodação com o regime sírio e as potências estrangeiras, até às formas híbridas de economia e democracia que estão a ser testadas, o Norte da Síria tem repetidamente encontrado soluções de compromisso que incorporam o seu obstinado espírito democrático.

“O facto de termos diferentes partidos que podem discordar e argumentar já marca um avanço no regime [sírio]”, diz Shadi al-Ibrahim, o responsável árabe. “As contradições podem ser positivas para o progresso.”

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Trato aqui exclusiva e hipoteticamente das consequências de uma insurreição vitoriosa e dos métodos violentos que alguns gostariam de utilizar para "fazer justiça" e que outros consideram necessários para defender a revolução contra os truques do inimigo.

Deixemos de lado a "justiça". É um termo demasiado relativo, que sempre serviu de pretexto a toda a espécie de opressão e de injustiça, e que muitas vezes não significou mais do que uma vingança de sangue. O ódio e o desejo de vingança são emoções desregradas que são naturalmente despertadas e alimentadas pela opressão. Mas se podem ser uma força positiva para sacudir o jugo, tornam-se uma força negativa quando chega o momento de substituir a opressão, não por uma nova opressão, mas pela liberdade e pela solidariedade. Devemos, portanto, esforçar-nos por despertar sentimentos mais elevados, que se fortaleçam no amor do bem, evitando, ao mesmo tempo, perder o ímpeto. Se deixarmos que a massa do povo actue de acordo com os ditames da paixão, se a alternativa for uma força controladora que a abrande, isso conduzirá a uma nova tirania. Mas devemos sempre lembrar que, como anarquistas, não podemos ser nem vingadores nem carrascos. Se queremos ser libertadores, temos de agir como tal através da propaganda e dos actos.

Vamos à questão mais importante, que é também a única questão séria levantada pelos meus críticos sobre este assunto: a defesa da revolução.

Muitas pessoas ainda estão fascinadas pela ideia de "terror". Parece-lhes que as guilhotinas, os pelotões de fuzilamento, os massacres, as deportações e as prisões ("forcas e galés", como me disse recentemente um importante comunista) são armas poderosas e indispensáveis da revolução, e que se tantas revoluções foram derrotadas ou as expectativas frustradas, isso se deve a demasiada bondade, "fraqueza", por parte dos revolucionários que não perseguiram, reprimiram ou mataram o suficiente.

O terror, tal como a guerra, desperta sentimentos brutais e atávicos, ainda pouco encobertos pelo verniz da civilização, e traz ao de cima os piores elementos do povo. Em vez de ajudar a defender a revolução, ajuda a desacreditá-la, a torná-la odiosa para a maioria; e, após um período de luta feroz, conduz inevitavelmente àquilo a que hoje se chama "normalização" - a legalização e perpetuação da tirania. Qualquer que seja o partido vencedor, termina sempre no estabelecimento de um governo forte, que para alguns assegura a paz à custa da liberdade, para outros o poder sem demasiados perigos.

Sei bem que os anarquistas terroristas (os poucos que existem) rejeitam qualquer forma de terror organizado, ordenado pelo governo por agentes contratados, e que gostariam que os seus inimigos fossem mortos diretamente pela massa do povo. Mas isso só iria piorar a situação. O terror pode agradar aos fanáticos, mas convém sobretudo aos verdadeiros vilões, ávidos de sangue e de dinheiro. E não se deve tentar idealizar as massas e imaginá-las como sendo compostas por homens e mulheres simples que, se cometem excessos, fazem-no com boas intenções. A polícia e os fascistas servem a burguesia, mas saem do seio do povo!

O fascismo acolheu muitos criminosos nas suas fileiras e, de certa forma, purificou antecipadamente o ambiente em que a revolução terá lugar. Mas não há necessidade de acreditar que todos os Duminis e Cesarino Rossis deste mundo são fascistas. Há aqueles que, por qualquer razão, não querem ou não puderam tornar-se fascistas, mas que, em nome da "revolução", estão dispostos a fazer o que os fascistas fazem em nome da "pátria". Tal como os assassinos de todos os regimes estão sempre prontos a alugarem-se a novos regimes e a tornarem-se os seus apoiantes mais zelosos, também os fascistas de hoje se apressarão a tornar-se os anarquistas ou comunistas de amanhã, ou o que quer que seja, desde que possam tiranizar os outros e dar vazão às suas próprias intenções perversas. E se não o puderem fazer na sua própria terra, porque aí são conhecidos e comprometidos, levarão o estandarte revolucionário para outras terras e tentarão subir à proeminência sendo mais violentos, mais "enérgicos" do que os outros, e tratando como moderados, reaccionários e contra-reaccionários aqueles que vêem a revolução como um grande trabalho de bondade e amor.

É claro que a revolução tem de ser defendida e desenvolvida com uma lógica inexorável; mas não deve e nem pode ser defendida com meios que contradigam os seus próprios fins.

Se, para ganhar, tivermos de instalar a forca na praça pública, prefiro perder.

https://theanarchistlibrary.org/library/errico-malatesta-revolutionary-terror

*Para deixar claro, o texto ou autor não está defendendo uma revolução pacíficas, sem armas, sem confrontos corporais e trocas de tiros, pq o autor não acredita nisso. Ele está sendo contra vingança disfarçada de revolução. Pq a revolução em si tem que ser contra o sistema de opressão. E se não for, os meios estariam contradizendo seus fins e desvirtuando deles.

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[Titulo]— Rosa Luxemburg (1899)

As pessoas acham que ser assimilada (inclusão) a estrutura se poder para representar socialistas, a classe trabalhadora, etc, é uma vitória delas pq elas podem então usar a estrutura de poder em favor delas.

Mas o que acontece é que ao ser assimiladas a estrutura, esses socialistas é que acabam sendo forçados a se adequarem ao capitalismo e a estrutura que foram assimiladas em si. A vitória então acaba sendo a da dominação da estrutura de poder.

O desejo de poder da estrutura capitalista por parte de socialistas faria sentido se pudéssemos criar socialismo na base da opressão, imposição, etc. Mas isso não pode ser feito pq socialismo só é possível na base da liberação, da auto determinação da classe trabalhadora. Só ela pode forçar seu interesse de classe as demais classes, em eliminando a divisão de classe e então criando interesse em comum socialista a toda sociedade. Um poder acima da classe trabalhadora não pode fazer isso por ela, que terá seu próprio interesse de poder e classe burocrática, controladora e pressora.

Ou em resumo, não tem como usar estrutura burguesa para fazer socialismo. Ou estrutura de opressão para acabar com opressão. Ou estrutura de segregação de classes para acabar com a divisão de classes. Essas coisas só podem ser acabadas com o fim da estrutura que mantém elas, e não com o poder dessas estruturas.

Um exemplo mais claro são as mulheres ganhando direito de terem posição de poder em empresas e governo. Isso não libera as mulheres e não acaba com o patriarquismo. Elas estão sendo apenas assimilada a estrutura patriarcal. E nessa estrutura elas, junto com homens, não liberam mas se adequam a tal estrutura em oprimindo demais minorias, para manter o privilégio delas nessas estruturas.

Isso pode ser entendido tanto do ponto de vista teórico da filosofia política de ideologias, como também do ponto de vista histórico. Mas além disso, pode ser também entendido do ponto de vista biológico (pq a sociedade é um órgão vivo que existe a partir de agentes biologicos apenas).

Como seres biológicos nos podemos influenciar e alterar nosso meio, mas o nosso desenvolvimento cognitivo e consequentemente social é criado pelo nosso meio.

Sendo assim, a luta para se acabar com o fascismo, capitalismo, burguesia, não é a partir de ideias, opiniões, conhecimento, ideologias meramente. Isso tudo ajuda a criar conciencia, mas a real luta acontece na criação do meio-ambiente que desejamos construir.

A vitória do socialismo então, não está na conquista da estrutura capitalista/burguesa, mas sim na conquista da estrutura socialista.

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O famoso ensaio "On Authority" de Engels é frequentemente apontado pelos marxistas de várias escolas como refutando o anarquismo. De fato, muitas vezes é considerado o trabalho marxista essencial sobre o Anarquismo. No entanto, Engels não refutou o anarquismo em seu ensaio, pq Engels pensou que ele e Bakunin estavam falando da mesma coisa, mas na verdade não estavam.

Para Engels, todas as formas de atividade em grupo significam a subjugação dos indivíduos ao grupo que eles compõem. Ele explica que,

"quem fala de ação combinada fala de organização" [e por isso não é possível] "ter organização sem autoridade", [pois autoridade significa] "a imposição da vontade de outros sobre a nossa... autoridade pressupõe subordinação". [Marx-Engels Reader, p. 731 e p. 730].

Engels fez essa interpretação usando o senso comum sobre autoridade (que é a interpretacao liberal de que para nao ser submetido a autoridade o individuo tem que se isolar), e usou esse senso comum para criticar Bakunin sem entender o que Bakunin havia dito (que nao era a interpretacao liberal).

Os anarquistas não se opõem a todas as formas de autoridade. Bakunin mesmo disse que não rejeita toda forma de autoridade. Bakunin foi claro sobre esta questão, diferenciando entre os tipos de autoridade: O Ser autoridade (ser especialista) e o Estar em autoridade (imposição de sua ordem aos demais em uma hierarquia social).

Na época, nos discursos, Bakunin e demais anarquistas falavam em se opor a todas as autoridades. Mas quando falam de autoridade de forma genérica eles estão se referindo no sentido de se opor ao poder do autoritário (se opor a hierarquia social de poder); não ao conhecimento, ideias e pensamento dos especialistas, do qual membro de um grupo podem se submeterem mas sem serem obrigados por alguém impondo a eles (livre associação e livre movimento). Assim sendo, quando Bakunin fala de autoridade de forma generalizada ele se refere a estrutura hierárquica de poder, do qual impede a organização, livre associação e acordos (autogestão) dos trabalhadores.

Em resumo é isso.

Se quiser saber mais a fundo a partir das palavras de Bakunin:

Bakunin explica que,

"se eu me curvo diante da autoridade dos especialistas e me declaro pronto para seguir, até certo ponto e enquanto me parecer necessário, suas indicações gerais e até mesmo suas instruções, é porque sua autoridade não é imposta a mim por ninguém... Eu me curvo diante da autoridade dos especialistas, porque ela me é imposta por minha própria razão".

Ele enfatizou que,

"a única grande e onipotente autoridade, ao mesmo tempo natural e racional, a única que respeitamos, será a do espírito coletivo e público de uma sociedade fundada na igualdade e solidariedade e no respeito mútuo de todos os seus membros". [A Filosofia Política de Bakunin, p. 253, p. 241 e p. 255].

Bakunin contrastou esta posição com a do marxista, que argumentou ser,

"campeões da ordem social construída de cima para baixo, sempre em nome do sufrágio universal e da soberania das massas a quem conferem a honra de obedecer a seus líderes, seus mestres eleitos".

Em outras palavras, um sistema baseado no poder delegado e, portanto, na autoridade hierárquica impedindo as massas de se governarem (como no Estado) e isto, por sua vez,...

"significa dominação, e qualquer dominação pressupõe a subjugação das massas e, conseqüentemente, sua exploração em benefício de alguma minoria governante". [Bakunin sobre o Anarquismo, p. 277].

Como Carole Pateman observa corretamente, Isto pode ser visto quando Bakunin observou que...

"o princípio da autoridade" (hierarquia social de poder) era a "idéia eminentemente teológica, metafísica e política de que as massas, sempre incapazes de governar a si mesmas, devem se submeter a todo momento ao jugo benevolente de uma sabedoria e de uma justiça, que de uma forma ou de outra é imposta de cima". [Marxismo, Liberdade e Estado, p. 33].

Ou seja, Bakunin claramente não se opunha a toda autoridade, mas sim a um tipo específico de autoridade; a autoridade hierárquica. Este tipo de autoridade colocou o poder nas mãos de poucos. Por exemplo, o trabalho assalariado produziu este tipo de autoridade (do empregador sobre os empregados). O Estado também é baseado na autoridade hierárquica, com "aqueles que governam" e aqueles que sao governados. A autoridade (do poder hierárquico social) acaba "vendo a sociedade a partir da alta posição em que se encontram" e assim,...

"[nós] dizemos que o poder político significa dominação" sobre "uma parte mais ou menos considerável da população". [A Filosofia Política de Bakunin, p. 187 e p. 218].

Se quiser entender a diferenca da interpretacao liberal de que a cooperacao necessita de hierarquia:

Em outras palavras, "autoridade" foi usada como abreviação de "hierarquia" (ou "autoridade hierárquica"), a imposição de decisões em vez de acordo para cumprir as decisões coletivas que você toma com os outros quando você se associa livremente com eles. Em lugar deste tipo de autoridade, Bakunin propôs uma "autoridade natural" baseada nas massas "governando a si mesmas". Ele não se opôs à necessidade de os indivíduos se associarem em grupos e administrarem seus próprios assuntos, ao contrário, opôs-se à idéia de que a cooperação necessitava de hierarquia:

"Daí resultam, tanto para a ciência como para a indústria, a necessidade de divisão e associação do trabalho. Eu tomo e dou - assim é a vida humana". Cada um é um líder de autoridade e, por sua vez, é liderado por outros. Assim, não há uma autoridade fixa e constante, mas um intercâmbio contínuo de autoridade e subordinação mútua, temporária e, acima de tudo, voluntária". [Op. Cit., pp. 353-4]

Este tipo de associação livre seria a expressão da liberdade e não sua negação (como nas estruturas hierárquicas). Os anarquistas rejeitam a idéia de dar a uma minoria (um governo) o poder de tomar nossas decisões por nós. O poder deve repousar nas mãos de todos, não concentrado nas mãos de poucos. Estamos bem conscientes da necessidade de nos organizarmos em conjunto e, portanto, da necessidade de nos mantermos fiéis às decisões tomadas. A importância da solidariedade na teoria anarquista é uma expressão dessa consciência.

Engels se concentra no aspecto negativo das idéias anarquistas, ignorando o positivo, e assim pinta um quadro falso de anarquismo.

Obviamente, Engels não entendeu bem a concepção anarquista de liberdade. Em vez de considerá-la essencialmente negativa, os anarquistas argumentam que a liberdade é expressa de duas formas diferentes, mas integradas. Em primeiro lugar, há a rebelião, a expressão da autonomia diante da autoridade. Este é o aspecto negativo da mesma. Em segundo lugar, há a associação, a expressão da autonomia, trabalhando com seus iguais. Este é o aspecto positivo da mesma. Como tal, Engels se concentra no aspecto negativo das idéias anarquistas, ignorando o positivo, e assim pinta um quadro falso de anarquismo. A liberdade, como Bakunin argumentou, é um produto de conexão, não de isolamento. A forma como um grupo se organiza determina se ele é autoritário ou libertário. Se os indivíduos que participam de um grupo administram os assuntos desse grupo (incluindo que tipos de decisões podem ser delegadas), então esse grupo se baseia na liberdade. Se esse poder é deixado a poucos indivíduos (eleitos ou não), então esse grupo é estruturado de forma autoritária. Isto pode ser visto pelo argumento de Bakunin de que o poder deve ser "difundido" para o coletivo em uma sociedade anarquista. Claramente, os anarquistas não rejeitam a necessidade de organização nem a necessidade de tomar e cumprir as decisões coletivas. Ao contrário, a questão é como essas decisões devem ser tomadas - devem ser tomadas por baixo, por aqueles afetados por elas, ou por cima, impostas por algumas poucas pessoas com autoridade.

A obediência sem vida de uma massa governada não pode ser comparada à cooperação organizada de indivíduos livres.

Somente um sofista confundiria o poder hierárquico com o poder das pessoas que administram seus próprios negócios. É um uso impróprio das palavras para denotar igualmente como "autoridade" dois conceitos tão opostos como indivíduos submetidos ao poder autocrático de um chefe e a cooperação voluntária de indivíduos conscientes trabalhando juntos como iguais. A obediência sem vida de uma massa governada não pode ser comparada à cooperação organizada de indivíduos livres, mas foi isso que Engels fez. A primeira é marcada pelo poder hierárquico e pela transformação do sujeito em automatizações que realizam movimentos mecânicos sem vontade e pensamento. O segundo é marcado pela participação, discussão e acordo. Ambos são, naturalmente, baseados na cooperação, mas argumentar que o último restringe a liberdade tanto quanto o primeiro simplesmente confunde cooperação com coerção. Também indica uma concepção distintamente liberal da liberdade, vendo-a restrita pela associação com outros em vez de ver a associação como uma expressão de liberdade. Como argumentou Malatesta:

"O erro básico ... está em acreditar que a organização não é possível sem autoridade.

"Agora, parece-nos que a organização, ou seja, a associação para um propósito específico e com a estrutura e os meios necessários para alcançá-lo, é um aspecto necessário da vida social. Um homem isolado não pode nem mesmo viver a vida de uma besta... Tendo, portanto, que se unir a outros humanos... ele deve se submeter à vontade de outros (ser escravizado) ou submeter outros à sua vontade (estar em autoridade) ou viver com outros de acordo fraterno no interesse do maior bem de todos (ser um associado). Ninguém pode fugir desta necessidade". [Errico Malatesta: Sua vida e suas idéias, pp. 84-5].

Portanto, a organização é,...

"somente a prática de cooperação e solidariedade" e é uma "condição natural e necessária da vida social". [Malatesta, Op. Cit., p. 83]

A questão não é se nos organizamos, mas como o fazemos.

Isto significa que, para os anarquistas, Engels confundiu conceitos muito diferentes:

"A coordenação é devidamente confundida com comando, organização com hierarquia, acordo com dominação — de fato, dominação 'imperiosa'". [Murray Bookchin, Towards an Ecological Society, pp. 126-7].

O socialismo só existirá quando a disciplina atualmente aplicada pelo bastão na mão do chefe for substituída pela autodisciplina consciente de indivíduos livres. Não é mudando quem detém o bastão (de um capitalista para um chefe "socialista") que o socialismo será criado. É somente pela quebra e desenraizamento deste espírito servil de disciplina, e sua substituição por autogestão, que os trabalhadores criarão uma nova disciplina que será a base do socialismo (a autodisciplina voluntária de que Bakunin falou). Como disse Kropotkin de forma memorável:

"Tendo sido criado na família de um servo-proprietário, entrei na vida ativa, como todos os jovens de meu tempo, com muita confiança na necessidade de comandar, ordenar, repreender, punir e afins. Mas quando, numa fase inicial, eu tinha que administrar empreendimentos sérios e lidar com homens, e quando cada erro levava imediatamente a pesadas conseqüências, comecei a apreciar a diferença entre agir com base no princípio do comando e da disciplina e agir com base no princípio do entendimento comum. O primeiro trabalha admiravelmente em um desfile militar, mas não vale nada na vida real, e o objetivo só pode ser alcançado através do esforço severo de muitas vontades convergentes". [Memórias de um Revolucionário, p. 202].

Conclusao.

Claramente, então, Engels não refutou o anarquismo através de seu ensaio. Ao contrário, ele refutou um palhaço de sua própria criação. A questão nunca foi se certas tarefas precisam de cooperação, coordenação, atividade conjunta e acordo. Era, na verdade, uma questão de como isso era conseguido. Como tal, Engels diatribe não entendeu a questão. Em vez de abordar a política real do anarquismo ou seu uso real da palavra "autoridade", ele preferiu abordar uma série de deduções lógicas que extrai de uma falsa suposição em relação a essas políticas. O ensaio de Engels mostra, parafraseando Keynes, as observações cortantes contra von Hayek, a confusão que pode ser criada quando um lógico sem remorsos deduz de uma suposição inicial incorreta.

Para a atividade coletiva, os anarquistas reconhecem a necessidade de fazer e aderir a acordos. É claro que a atividade coletiva precisa de tomada de decisão coletiva e organização. Na medida em que Engels tinha um ponto em sua diatribe (a saber, que os esforços de grupo significavam cooperar com outros), Bakunin (como qualquer anarquista) teria concordado. A questão era como essas decisões deveriam ser tomadas, e não se deveriam ou não ser. Por fim, Engels confundiu acordo com hierarquia. Os anarquistas não o fazem.

Fonte:

https://theanarchistlibrary.org/library/the-anarchist-faq-editorial-collective-an-anarchist-faq-full#text-amuse-label-secb1

Para entender mais, leia a sessao B.1 Why are anarchists against authority and hierarchy?

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A exploração (submissão) da classe trabalhadora por outra classe, ou individuos, acontece quando as pessoas não podem mais contar com seu meio ambiente, e uns com os outros, para manter a sua sobrevivência. Se tornando então alvo daqueles que querem explorar a vulnerabilida do trabalhador isolado que esta sem o suporte social de sua comunidade.

E a maneira que a classe exploradora mantém a exploração da classe trabalhadora é em fazendo com que a classe trabalhadora não trabalhe e nem produza para a sua comunidade mas sim para seus patrões e estados (grupos de poder em controle do meio ambiente e de suas riquezas). E assim a classe trabalhadora é dependente de outra classe para sobreviver. Dependente da classe que mantém a posse e controle dos meios produtivos e acumulação de suas riquezas.

Consequentemente, no lugar de atuação mútua (comunidade) o trabalhador se torna competidor um do outro por empregos, salários, posição hierárquica no trabalho e em sociedade, pq essa competição passa a ser a única garantia de sobrevivência das pessoas (ela está sem comunidade).

A classe trabalhadora "se libertar", significa as pessoas atuando de forma mútua (e não mais competitiva entre elas) para garantir a maior independência dalas dos capitalistas e estado (que monopolizam ouboligarquisam o poder).

Atuação mútua significa trabalhar e produzir para suas comunidades (e nao exclusivamente, ou nao mais, para seus patrões, autoridades, proprietarios das terras e servicos financeiros. E quanto mais pessoas atuarem de forma mútua em comunidade mais as pessoas podem contar uns com os outros em comunidade (mais a sobrevivência dela é garantida pela comunidade) então se libertando da exploração, pq a sobrevivência delas está garantida, deixando de serem vulneráveis aos exploradores.

A autonomia da classe trabalhadora depende da autonomia de sua comunidade, e nao na dependendia de um estado qualquer outra forma de monopolisador de poder. Quando vc atua de forma mútua em comunidade não é vc que está liberando as demais pessoas, vc está liberando a si mesmo em construindo comunidade para si, para garantir sua liberdade. E as demais pessoas nessa atuação estão fazendo o mesmo.

Como Marx e Engels dizem na A Ideologia Alemã, a democracia representativa é o resultado natural de indivíduos isolados em sociedade. E eles explicam que isso significa que a comunidade já não existe a não ser de forma ilusória, pq a comunidade (como ilusao) já não tem mais poder vindo dela mesma; o poder vem de fora dela (de representantes de um poder alheio a comunidade). A comunidade existe somente onde as pessoas atuam de forma mútua criando poder autonomo que vem de suas comunidades.

E é por isso que é dito que ninguém é livre enquanto todos não estiverem livres. Pq para todos serem livres as pessoas têm que ter comunidades (pessoas atuando de forma mutua) que garanta a sobrevivência um do outro.

E assim a classe trabalhadora se liberta.

Se usarmos as bases da ciência da biologia comportacional de hoje em dia, o dizer é que as pessoas se adaptam ao meio ambiente para sobreviver. Sendo assim, no lugar de tentar representar a classe trabalhadora com um poder centralizado de cima para baixo, a classe média e demais devem colaborar na construção do meio ambiente propício para que a própria classe trabalhadora se liberte em tendo seu próprio poder (de baixo para cima).

E ao fazer isso, as demais classes também estarão se liberando, pq ninguem é livre estando assimilado em uma hierarquia de poder. Nem mesmo quem está no topo dessa hierarquia. Todos estão presos a estrutura hierárquica do qual tem que se adaptar para manter sua posição de poder competitivo (privilegios) sobre demais competidores.

É por isso que anarquistas e alguns marxistas não acreditam que a estrutura de poder hierárquica pode ser usada em favor para representar os interesses da classe trabalhadora. E a liberação da classe trabalhadora, está somente no desmontagens dessa estrutura em que ninguém é livre mas submissos e competitivos uns aos outros em busca de suas autonomias (poder).

"...quanto menos organizados estivermos, mais estaremos à mercê de alguns poucos indivíduos. E isso foi apenas natural". - Malatesta

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The acordo com as pesquisas neurocientistas do Soviético Luria, as pessoas que vivem em comunidades agrárias, isoladas e sem escolaridade tendem a terem uma percepção e experiência de mundo mais material/funcional. Enquanto as pessoas com experiências mais globais, urbanas e escolarizados, tem maior capacidade e tendência ao pensamento abstrato, do qual o grupo mencionado primeiro tem limitação cognitiva para tal pensamento.

Um exemplo, é de como fazer associações de ferramentas. Em uma mente de visão abstrata martelo, Machado, serrote são agrupados em um mesmo grupo por serem ferramentas. Mas em uma mente que percebe o mundo de forma menos abstrata, o martelo não pertenceria ao mesmo grupo das demais ferramentas, pq enquanto serrote e Machado servem para obter etrabalhar com madeira, o martelo não serve. Indo além, na percepção mais material, a palha e o esuqueiro que deveria ser agrupado com serrote e Machado, por fazer mais sentido na questão material prática. Mas na mente abstrata não faz sentido, pq palha e sequeiro, apesar de serem necessários para queimar a lenha obtida com o serrote e quebrada com o Machado, a palha não é ferramenta e o sequeiro é um outro tipo de ferramenta.

O pensamento abstrato é puramente intelectual e tentar organizar o mundo atravez do pensamento abstrato é uma tendência idealista e não materialista.

Claro que análises teóricas, materialistas históricas e dialéticas são importantes, mas quando esse passa a ser o foco e o "revolucionario" que se foca no "intelecto", ele não está atendendo ao seu interesse idealistas da classe média/intelectual urbana, e assim segregado dos interesses materialistas da classe trabalhadora? Como também não estaria sendo mais idealista do que materialista?

Como um Vanguardista ou intelectual vai inspirar o interesse e educação revolucionária na classe trabalhadora quando ele está focado em atingir um ideal do mundo das ideias (ideologico) ao invez de se focar nas próprias condições materiais da classe trabalhadora para mostrar a ela suas condições e conflitos de classe?

Esses intelectuais não estão sendo "white survavor" reproduzindo a mesma tradição colonialista de que eles devem "civilizar" os demais povos com seus ideias abistratos? No lugar de acreditar que a própria classe trabalhadora pode ganhar conciencia de classe e revolucionária através de sua própria realidade material? E assim seguir seus próprios interesses de classes ao invez de ser adequar aos ideias ideologicos de uma outra classe que tem seus interesses distintos por terem outra realidade material?

E não era justamente essa a crítica de Marx e Engels a classe media/intelectual?

Marxistas clássicos fazem uma distinção entre política e economia com se o primeiro fosse essencialmente materialista e o segundo idealista. Mas essa é justamente uma visão de separação abstrata e idealista das coisas. A economia, mesmo acreditando partir da realidade material, pode, é e foi quase sempre usada de forma bem idealista, por causa de preceitos abstratos de organisacao da produção. Eis o motivo que a duas vezes na União Sovietica o "cientificismo" materialista levou a fome e milhões de mortos. Pq o que se acreditava ser pautado na ciência materialista estava sendo unicamente idealista, a partir de ideiais completamente abstratos que ignoravam a realidade material dos camponeses que foram forçados a proletarizacao e a industrialização da lavoura, ignorando completamente a realidade, experiência e conhecimento material deles próprios (considerados não serem capazes de tal compreensão).

E não seria esse apego a uma idolatracao e hierarquia intelectual um desejo de poder (uma compensação para obter um senso de valor sobre si mesmo), justificado por uma suposta hierarquia [superioridade] intelectual?

E sendo assim, ao atingir o poder do estado, eles vão realmente tornar o estado e seu partido submisso ao interesse da classe trabalhadora, ao ponto do estado uma hora se fazer inútil e naturalmente desaparecer com a autonomia da classe trabalhadora?

Pq de acordo com o materialismo histórico, e com o que Marx é Engels falam na A Ideologia Alemã, a revolução por um grupo que toma o poder terá que se adequar às condições produtivas desse poder. Por exemplo, o Feudalismo como resultado da tomada do poder de povos bárbaros e as condições produtivas do Império Romano.

O comunismo de Marx se basea na classe trabalhadora tomando o poder dos meios produtivos industriais de um capitalismo altamente industrializado (supostamente avançado). No entanto quando é uma classe media/intelectual que toma opoder dos meios produtivos, podemos realmente esperar o mesmo resultado que Marx hipotetisou? Sendo que são classes com realidade material distinta e portanto interesses de classes distintos?

E no final, como esperar uma classe trabalhadora unidade e forte globalmente para uma revolução quando grupos intelectuais ideologicos visam segregar a classe trabalhadora competindo na conversão (catequisacao) da classe trabalhadora a suas distintas e conflitabtes ideologias? Se não for impor tais "doutrinas" a classe trabalhadora uma vez que tais intelectuais obtenha o monopolio do poder do estado?

Não será que esses intelectuais precisam descer do branquinho e serem mais humildes em ouvindo a classe trabalhadora e apoiando ela como objetivo principal, de entebder suas proprias condicoes de acordo com suas proprias realidade material e historica, para o fortalecimento dela ao invés de grupos ideologicos de classes distintas?

Então fica a questão.

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Eu enxuguei o texto para a postagem não ficar tão longa. O texto original com muito mais informações está aqui: https://libcom.org/article/what-marx-should-have-said-kropotkin-adam-buick

[Muitos] já sabem, ou lendo Marx ou ouvindo os argumentos de, que Marx não era o que nos anos 1880 e 1890 era chamado de "Socialista de Estado". Isto, no entanto, não é o que a maioria das pessoas por ai, incluindo muitas pessoas bem informadas, pensam. O mito de Marx, o Estadista, é amplamente aceito, como resultado não apenas de seus críticos, mas também de muitos (talvez até mesmo a maioria) daqueles que se consideraram seus apoiadores.

Mas é um mito e um mito que eu gostaria de começar por demolir. O marxólogo francês Maximilien Rubel, num artigo publicado pela primeira vez em 1973, intitulado "Marx: O teórico do anarquismo", chegou a argumentar que Marx foi um dos pioneiros do anarquismo moderno! Não tenho certeza se gostaria de chamar Marx de anarquista sem qualificação, mas acho que um argumento forte pode ser defendido por ver Marx como a primeira pessoa a apresentar uma teoria completa do comunismo sem Estado. Marx foi, se você quiser assim entender, o primeiro teórico coerente e consistente de uma sociedade anarquista-comunista.

Marx tornou-se um socialista, ou comunista como era então conhecido e como Marx geralmente se descrevia, em algum momento em 1843. Antes disso ele havia sido um simples democrata e ativo como editor de um jornal de Colônia financiado pela seção radical dos capitalistas da Renânia e que defendia a democracia política para a Prússia.

Nessa época, Marx aceitou a opinião da então dominante escola de pensamento político na Alemanha, a de Hegel, de que o Estado era um domínio mais elevado da atividade humana do que o domínio da atividade econômica cotidiana ("sociedade civil"). [...] o Estado era o reino no qual eles buscavam o bem comum, o interesse geral de todos.

Mas Marx e o grupo de Jovens Hegelianos ao qual ele então pertencia argumentaram que o Estado não se tornaria o representante de toda a comunidade até e a menos que todos os seus cidadãos tivessem uma palavra igual em seus processos decisórios, até que, em outras palavras, ele se tornasse um Estado Democrático.

Quando Marx se tornou comunista e passou a rejeitar o individualismo como princípio regulador da vida econômica cotidiana, sua perspectiva mudou. O estabelecimento do comunismo significaria que seria o reino da atividade econômica cotidiana que se tornaria o reino no qual os humanos perseguiam o interesse comum, eles não mais seriam indivíduos tentando viver de forma independente em conflito com todos os outros tentando fazer o mesmo, mas membros de uma comunidade real cooperando para satisfazer suas necessidades. Isto significava que não haveria mais necessidade de outro reino de atividade, separado e superior, no qual o interesse comum fosse perseguido. Não havia mais necessidade, em outras palavras, de um Estado.

A emancipação humana, só poderia ser alcançada em uma sociedade comunista onde as necessidades seriam satisfeitas diretamente sem ter que passar pelo meio do dinheiro. Tal sociedade comunista sem dinheiro não exigiria um Estado, nem mesmo um Estado democrático, já que não haveria mais necessidade de um reino político separado no qual o interesse geral fosse perseguido, isto estaria sendo feito diretamente no nível da vida cotidiana.

"O homem deve reconhecer suas próprias forças como forças sociais, organizá-las e assim não mais separar as forças sociais de si mesmo sob a forma de forças políticas. Somente quando isto tiver sido alcançado, a emancipação humana estará completa" (A questão Judaica, 1844. Textos iniciais, p. 108)

Então, o que Marx defendia era uma sociedade sem dinheiro e sem Estado, uma sociedade anarquista-comunista, se você quiser chamar. E este continuou sendo seu objetivo para o resto de sua vida, como algumas citações irão confirmar:

"A existência do Estado e a existência da escravidão são inseparáveis" (artigo de 1844, Textos iniciais, p. 213)

"[Os proletários] se opõem diretamente à forma na qual, até agora, os indivíduos, dos quais a sociedade é constituída, se expressaram coletivamente, ou seja, o Estado. Portanto, para se afirmarem como indivíduos, eles devem derrubar o Estado" (1845, Ideologia alemã, p. 85).

Particularmente significativo é o que ele escreveu em 1847 em "A Pobreza da Filosofia". Esta é uma crítica à visão econômica de Proudhon, o homem que é considerado pelos anarquistas como o fundador do anarquismo moderno. Proudhon queria uma sociedade sem governo, uma sociedade que ele chamou de "Anarquia". Entretanto, ele não era um socialista ou comunista, mas um defensor de várias reformas financeiras rabugentas no contexto de uma economia de mercado completamente livre. Na verdade, ele era um adversário amargo do comunismo, pois acreditava que isso aumentaria imensamente o poder do governo e transformaria as pessoas em escravos do Estado (a objeção burguesa comum ao comunismo na época).

Por isso, é muito relevante a forma como Marx lidou com os pontos de vista de Proudhon. Naturalmente, ele mostra que uma economia de mercado livre baseada no crédito gratuito não é a resposta. O comunismo é, mas Marx sublinha que esta será uma sociedade sem Estado:

"Isto significa que após a queda da velha sociedade haverá um novo domínio de classe que culminará em um novo poder político? Não ... A classe trabalhadora, no curso de seu desenvolvimento, substituirá a velha sociedade civil por uma associação que excluirá as classes e seus antagonismos, e não haverá mais o chamado poder político propriamente dito, já que o poder político é precisamente a expressão oficial do antagonismo na sociedade civil" (Poverty of Philosophy, 1847. Pp 196-7)

"Quando, no curso do desenvolvimento, as distinções de classe tiverem desaparecido, e toda a produção tiver sido concentrada nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perderá seu caráter político" (Manifesto Comunista de 1848, p. 81)

Após a sangrenta supressão da Comuna de Paris em 1871, Marx foi chamado a escrever o que significava um obituário para ela em nome do Conselho Geral da IWMA. Ele escreveu vários rascunhos para esta declaração que foi publicada sob o título A Guerra Civil na França. Em um destes rascunhos, Marx escreveu:

"Esta foi, portanto, uma Revolução não contra este ou aquele, forma legítima, Constitucional, Republicana ou Imperialista de Poder do Estado. Foi uma Revolução contra o próprio Estado, deste aborto sobrenaturalista da sociedade, uma retomada pelo povo para o povo de sua própria vida social. Não foi uma revolução para transferi-la de uma fração da classe dominante para a outra, mas uma Revolução para quebrar esta horrível máquina de dominação de classe em si" (p. 166).

Esta foi uma descrição exagerada do que era a Comuna de Paris (não foi a tentativa de revolução socialista que isto sugere) e foi sem dúvida por isso que Marx não incluiu esta passagem na versão final. Mas mostra muito claramente que Marx pensava que a revolução socialista tinha que ser uma revolução contra o Estado, não uma revolução para estabelecer um Estado mais poderoso e centralizado.

Quero dar apenas mais uma citação de Marx, mas muito significativa, pois nele ele usa a verdadeira palavra "Anarquia". Durante a disputa que eclodiu na IWMA após a supressão da Comuna de Paris, Bakunin circulou um documento no qual ele afirmava que Marx representava um novo Estado no qual uma nova classe dominante de ex-trabalhadores governaria a massa de trabalhadores que permaneceriam explorados e oprimidos. Marx escreveu algumas notas na margem de sua cópia do panfleto de Bakunin. Algumas são apenas palavras como "idiota" e "asno", mas outras são mais substanciais, incluindo as seguintes:

"Todos os Socialistas entendem por "anarquia" isto: o objetivo do movimento proletário, a abolição das classes, uma vez alcançado, então o poder do Estado, que serve para manter a grande maioria produtora sob o jugo de uma pequena minoria exploradora, desaparecerá e as funções do governo serão transformadas em simples funções administrativas" (1874)

Aqui Marx está dizendo, em termos explícitos, que a sociedade comunista que ele vê como o objetivo do movimento operário é ser uma sociedade sem Estado, sem governo. Aqui Marx está se proclamando um... anarquista-comunista. Oito anos antes de Kropotkin.

Kropotkin

A grande realização de Kropotkin aqui foi sem dúvida seu livro Mutual Aid (1902), que costumava estar nas estantes de todos os socialistas (na verdade, costumávamos vendê-lo como livro socialista junto com os de Marx e Engels). Subtítulo "Um Fator de Evolução", esta foi uma refutação da visão social darwinista (então muito popular como defesa e justificação do capitalismo) de que o capitalismo era natural como "a luta pela existência" e "a sobrevivência dos mais aptos".

Kropotkin produziu as evidências para mostrar que a "ajuda mútua" e a cooperação tinham sido um fator importante tanto na evolução biológica quanto social. Era o livro certo no momento certo no que diz respeito aos socialistas e pela pessoa certa, um socialista que tinha tido algum treinamento e experiência científica. Isto sem dúvida explica sua popularidade outrora imensa entre os críticos do capitalismo. Ele mostrou que a natureza não era como o capitalismo e que os seres humanos eram sociais, animais cooperantes e não indivíduos isolados e competitivos. Isto já foi confirmado muitas vezes por outros cientistas, antropólogos, etnólogos, sociólogos e outros e agora é parte integrante do caso do socialismo como uma refutação da chamada objeção da "natureza humana".

A propósito, o escritor científico americano Stephen Jay Gould em sua coleção de artigos Bully for Brontosaurus tem um capítulo sobre Kropotkin chamado "Kropotkin Was No Crackpot" no qual ele diz que a maior parte do que Kropotkin escreveu em Mutual Aid resistiu ao teste do tempo.

Originalmente, aqueles que se tornaram os anarquistas eram um dos vários grupos diferentes dentro da Primeira Internacional, um grupo que se via como socialistas e que se chamavam socialistas. Eles representavam o fim da regra e dos privilégios da burguesia, da propriedade comum dos recursos produtivos, da abolição do sistema de salários e da produção para uso não lucrativo. Em outras palavras, eles eram parte e se viam como parte de um movimento anti-capitalista mais amplo.

Talvez porque ele viu que a maioria daqueles que se diziam socialistas (e os social-democratas alemães em particular) representavam de fato o capitalismo de Estado, Kropotkin tornou-se o principal impulsionador na tentativa de inventar uma tradição "anarquista" separada. Apesar de ele mesmo ser um comunista de grande fôlego, ele abandonou a insistência em defender uma sociedade sem dinheiro e sem dinheiro como condição de admissão a esta tradição em favor de uma sociedade sem Estado.

Como resultado, algumas pessoas estranhas, de um ponto de vista da classe trabalhadora, vieram a ser incluídas, em particular individualistas extremos como Max Stirner, assim como vários cambistas e defensores do livre-trânsito completo na tradição do Proudhon. Todos eles, anti-socialistas, mas com os quais Kropotkin sentiu alguma afinidade só porque previam o desaparecimento do Estado, embora todos fossem a favor do dinheiro e do mercado.

É preciso dizer que Kropotkin (que escreveu a contribuição sobre o "Anarquismo" que apareceu durante anos na Enciclopédia Britânica) conseguiu em grande parte criar esta tradição anarquista que reuniu todos aqueles que se opunham ao Estado de qualquer ponto de vista. Desde então, ela tem afetado o anarquismo. A maioria dos anarquistas de hoje justifica seu anarquismo não com o argumento de que eles querem abolir o Estado porque ele é um instrumento de opressão de classe e defensor da propriedade privada e da exploração capitalista, mas com o argumento do "direito do indivíduo" de ser desenfreado por qualquer autoridade externa. Vejam as várias antologias do anarquismo nas livrarias e verão que o elemento socialista encolheu para um ponto de vista minoritário distinto.

O irônico aqui é que a ajuda mútua de Kropotkin é uma das melhores refutações da posição individualista extrema, que, naturalmente, é compartilhada pelos partidários abertos do capitalismo, bem como provavelmente pela maioria dos anarquistas da atualidade.

Foi porque ele entendeu que os anarquistas, incluindo alguns que se consideravam comunistas, estavam assumindo uma posição anti-sociedade em vez de uma simples posição anti-estatal, que William Morris sempre se recusou a se chamar anarquista; de fato, denunciar o anarquismo (neste sentido) como uma impossibilidade. Isto de um homem que está em registro como dizendo:

"Socialismo de Estado? Não concordo com ele, na verdade acho que as duas palavras se contradizem, e que é o negócio de Socializar para destruir o Estado e colocar a Sociedade Livre em seu lugar" (Morris, Commonweal, 17 de maio de 1890, p.479).

Portanto, não haveria necessidade de Marx ter sido clarividente no início dos anos 1880 e avisar Kropotkin para não sair dos trilhos associando-se a anarquistas anti-socialistas e individualistas como ele era, após a morte de Marx. Morris poderia ter feito isso por ele, e sem dúvida o fez, já que Morris e Kropotkin se encontraram freqüentemente até a própria morte de Morris em 1896.

Resta apenas mencionar o triste fim da vida política de Kropotkin. Quando, em 1914, a guerra eclodiu, Kropotkin saiu em apoio vociferante do lado britânico-francês-russo contra o lado germano-afro-húngaro nessa luta por mercados, rotas comerciais e esferas de influência. Ele foi imediatamente deserdado como traidor (como era) pela maioria do movimento anarquista.

Ficou claro que seu caráter foi manchado por um profundo preconceito antialemão, o que o levou a defender e torcer pelo massacre de milhões de trabalhadores em um conflito entre dois blocos de poder imperialistas. Mesmo após seu retorno à Rússia, após o derrube do Czar em março de 1917, ele ainda defendia a continuação da participação russa no massacre. Os soldados russos, no entanto, foram mais sensatos. Eles votaram com os pés, como disse Lenin, simplesmente se afastando do frente.

Kropotkin morreu na Rússia em fevereiro de 1921, e seu funeral foi a ocasião da última oposição pública ao regime estatal-capitalista que Lenin e os bolcheviques estavam estabelecendo na Rússia. Ele morreu um velho desacreditado, mas isto não deve diminuir sua contribuição para as idéias socialistas no resto de sua vida. Afinal, alguns outros, que sempre reconhecemos terem contribuído, como Kautsky e Plekhanov, também tomaram (separados) o partido desta matança imperialista. E estamos em registro como críticas a Marx por seu apoio ao lado franco-britânico-turco na Guerra da Crimeia.

Quero terminar sobre um ponto que os anarquistas devem apreciar. Esta conversa foi chamada de "O que Marx deveria ter dito a Kropotkin". Mas nem Marx nem Kropotkin devem ser considerados como autoridades, cujos pontos de vista devem ser aceitos só porque eles os apresentam. Eles devem ser considerados simplesmente como dois socialistas do século XIX que fizeram algumas contribuições interessantes para o desenvolvimento das idéias socialistas. Suas opiniões não são, e não devem ser consideradas, como mais "autoritárias" do que as de qualquer um de nós nesta sala. O caso de uma sociedade sem classe, sem Estado, sem dinheiro e sem dinheiro, repousa sobre os fatos e sobre seus próprios méritos, não sobre o que um ou outro grande homem pode ou não ter dito ou escrito.

Adam Buick

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Proudhon (1848): "o proletariado deve emancipar-se sem a ajuda do governo".

Marx (1864): "a emancipação das classes trabalhadoras deve ser conquistada pelas próprias classes trabalhadoras".

Kropotkin (1887): "a emancipação dos operários deve ser o ato dos próprios operários".

Malatesta (1897): "nós, anarquistas, não queremos emancipar o povo; queremos que o povo se emancipe a si mesmo"

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